(Foto: Recordando George Orwell, 1984)
Se você pensa que foi incógnito ao bar ou ao supermercado e
que o olhar bisbilhoteiro do vizinho não descobriu com quem você falou ou o que
você traz na sacola;
Se você acha que a conversa reservada com a ex-esposa,
ex-amante ou a atual, ou a bronca dada à filha adolescente pelo celular,
ficaram em sigilo;
Se você tenta trocar de operadora porque a atual não
satisfaz a suas exigências e acha que todas as demais não sabem de sua decisão
de emigrar para outra igualmente enervante;
Se você acha, aliviado, ao estacionar o carro num lugar
público e que não há, nessa hora, nenhum flanelinha a vista para cobrar o
pedágio e o estágio;
Se você acredita que funcionários de bancos não têm acesso a
suas contas bancárias e a seus cartões de crédito;
Se você pensa que aquela aplicação em previdência em seu
banco de confiança não foi comunicada “on
line” a outros bancos pela rede central de bisbilhotices e às empresas de
telemarketing e telepesquisas de satisfação do cliente;
Se você comprou um carro e acha que, incontinenti, todas as
operadoras de seguro não sabem com qual você o contratou;
Se você pensa que seu telefone, seu endereço eletrônico são privativos
e que só você tem a prerrogativa de oferecê-los a seus amigos ou a pessoas de
suas múltiplas relações;
Se você tem certeza de que aquela importantíssima
confidência revelada entre quatro paredes e que o segredo “morre aqui”,
Você foi redonda e quadradamente enganado(a) sobre aquele
conhecido direito à privacidade. Todos sabem tudo sobre o que gostaríamos que
não soubessem. Somos um livro aberto a câmeras de vigilância, a helicópteros e
modernas naves espiãs, a binóculos de policiais que registram nossos passos, a
microfones que nos escutam, ao olho da vizinhança.
Não se iluda com o aparente isolamento e silêncio ao seu
redor. A representante do telemarketing entrará em contato com você ou alguma
operadora lhe enviará um MSM anunciando que seu telefone foi sorteado e você
ganhou uma casa de cem mil reais, ou uma viagem a Disney com direito a
acompanhante, com tudo pago exceto a passagem. Além de vigiá-lo, o sistema
considera você um idiota.
– – –
Nota: Sou sociólogo naturalista e escritor. Administro uma
área liberada da opressão industrial e da tirania do consumo obsessivo, uma
reserva natural de cerrado de 70 hectares (Sítio das Neves) para refúgio de
variada fauna de ar e terra, reprodução espontânea da flora nativa (3.500
espécies), proteção de nascentes e recarga de aquíferos com captação de águas
pluviais. Estudo a ocupação do espaço e a organização de algumas espécies da
biocomunidade (mangabeiras, caliandras e catolé).
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