A insatisfação, a indignação,
a náusea civil, a mentira econômica, a corrupção política são os ingredientes
do basta! que milhares de cidadãos estão gritando pelas ruas e pelas janelas.
Até as depredações que vieram no bojo das manifestações são simbólicas do
vandalismo explorador do sistema econômico e da devastação de nossas florestas
pela ganância insana de investidores. Nem uma nem outra são aceitáveis.
Enganam-se os que tomam
apenas decisões intempestivas e amedrontadas de eliminar centavos no preço do
transporte que continuará ruim. O buraco é mais embaixo. O que está podre é a
desigualdade imposta pela filosofia do crescimento econômico que canaliza os
lucros para poucas mãos e garante migalhas à periferia do grande banquete em
nome da sustentabilidade do consumo.
Expressões como “tirar
milhões da miséria”, participar do “mercado de trabalho”, integrar os pobres ao
“consumo de bens” revelam a pobreza mental e a limitação intelectual dos que se
aferram ao poder a qualquer custo. Mantêm intocada a sólida ignorância nacional
consolidada pela aplicação da máxima que os cônsules romanos, em prístinas
eras, sugeriam aos imperadores: pão e circo.
Talvez o cidadão brasileiro
esteja cansado de ter só esse cardápio que exige fabulosos investimentos em
arenas que servem de vitrina para vender jogadores aos mercadores e
exploradores do corpo humano, de chuteiras e uniformes.
O recado das ruas é outro. Educação
universal e gratuita, conhecimentos básicos e sólidos, ampliação da capacidade
de pensar, criticar e agir são os ingredientes da receita que ainda não alcançou
os políticos, os ideólogos e os manipuladores do poder.
Pão e circo é o cabresto que
os cavaleiros do poder usam para se equilibrar no lombo do povo. Nessa corrida,
há os que foram amansados e convencidos pelo cavaleiro de que precisam de
cabresto. Há os que aceitam o cabresto na esperança de ganhar cenoura ou milho.
Há os que se rebelam contra o cabresto e o cavaleiro. Vivemos numa alvorada em
que a cidadania começa a sentir o incômodo do cabresto e a arrogância do
cavaleiro.
– – –
Nota: Sou sociólogo naturalista e escritor. Administro uma
área liberada da opressão industrial e da tirania do consumo obsessivo, uma
reserva natural de cerrado de 70 hectares (Sítio das Neves) para refúgio de
variada fauna de ar e terra, reprodução espontânea da flora nativa (3.500
espécies), proteção de nascentes e recarga de aquíferos com captação de águas
pluviais. Estudo a ocupação do espaço e a organização de algumas espécies da
biocomunidade (mangabeiras, caliandras e catolé).
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