BRASÍLIA,
DISTRITO FEDERAL E PLANEJAMENTO
Um professor emérito da UnB comentou-me sobre sua
participação num grupo que se propõe a planejar o desenvolvimento da metrópole
brasiliense com vistas ao ano 2060. Diante de um futuro tão incerto e distante,
o grupo recuou para 2032.
Fotografando os fatos econômicos, sociais, culturais e
ambientais, em 2012, percebe-se que nossos governantes de turno, funcionários
de carreira, centenas de congressistas que se sucederam nos últimos 50 anos,
empresários da indústria, do comércio e da agricultura não têm demonstrado
experiência nem vocação para o planejamento de longo prazo.
Administram os apagões de cada dia. Sua visibilidade é
o período de quatro anos, renováveis por mais quatro. Os planejadores contam,
hoje, com meios tecnológicos que poderiam facilitar a análise dos dados e
elementos possíveis de associar, fatores favoráveis e adversos, elaboração e
aprovação de projetos integrados para enfrentar as realidades não lineares que
se alcançam vislumbrar.
Exemplos de planejamento de longo prazo deram os
mandarins da ex-União Soviética, Japão e Israel. A Finlândia selecionou uma
prioridade – educação – e a projetou
para um período de 50 anos, à qual estavam submetidos os governos e o congresso
que se sucedessem. Três critérios regem o plano educativo: ensino público
universal gratuito; preparação de professores selecionados entre os melhores
alunos; salários e recursos financeiros adequados. Desenharam uma situação
futura de igualdade diante das oportunidades baseada na educação como forma de
cooperação qualitativa de todos os cidadãos na construção do bem-estar comum.
Nos bancos da universidade aprende-se que planejar é
pintar ou marcar circunstâncias e situações que se almejam obter no futuro, num
lugar e para uma população definida. Trata-se de avançar menos sobre números e
estatísticas e mais sobre as circunstâncias que figurarão no futuro, aptas a
satisfazer plenamente uma população, preservando as riquezas naturais ao longo
da execução de projetos e programas.
Dr. Lúcio Costa projetou uma cidade para ser capital
do país. Não planejou o desenvolvimento da cidade. Estimou-se uma população de
500 mil habitantes para a capital sem combinar com políticos e empresários da
construção nem com a própria população. Estabeleceu quatro pontos cardeais –
gregário, bucólico, residencial e monumental – para definir a arquitetura, a
arte e a estética do Plano Piloto. Niemeyer ocupou-se do monumental.
Se o Plano Piloto conserva, bem ou mal, essas quatro
características de seu projeto, a expansão da cidade-capital nos bairros – cidades
satélites– obedece ao impulso das migrações atendidas no dia a dia pela
administração pública e pelo apetite do setor imobiliário da construção civil.
Arquitetos, professores universitários, geógrafos, urbanistas e ecologistas têm
criticado em publicações e conferências a ausência flagrante do planejamento
urbano para Brasília.
No projeto descritivo de Lúcio Costa, definiu-se que
80% da área do Distrito Federal seriam reservados para a agricultura,
abastecimento da população residente e preservação dos mananciais, da fauna e
da flora do cerrado. Somente 20% da área seriam destinados à urbanização e à
construção da cidade que pelo seu ineditismo arquitetônico foi guindada a
Patrimônio Cultural da Humanidade.
O crescimento geométrico da população comandou a
improvisação de todos os serviços decorrentes para satisfazer suas
necessidades, requerimentos e sobrevivência, executados no dia a dia segundo as
injunções políticas do momento. Inverteu-se o fluxo de adaptação. A cidade
adaptou-se à população ao invés de os assentamentos humanos adaptarem-se ao
projeto da cidade.
Fora do espaço do Plano Piloto, que seria o protótipo
do desenvolvimento da cidade modelo, a urbanização seguiu o exemplo de qualquer
outro agrupamento urbano, transformando-se numa metrópole massiva, de limites
indefinidos, trânsito caótico, invasões de áreas verdes, multiplicando os erros
urbanos que pretendia evitar.
Brasília, em sua majestosa aparência, congrega as mais
contundentes contradições e desigualdades do país. Os maiores e os menores
salários. Academias públicas e privadas, a elite intelectual e política,
escolas de ensino fundamental deficientes ou depredadas, mansões e tugúrios.
Mas todos têm em comum a glória e o orgulho de ostentar um endereço único: sou
brasiliense.
Brasília, como o Brasil, finge de se propor a tarefa
de planejar e antecipar situações futuras. Os governos estão equipados com
múltiplas instituições que se sobrepõem em competências e jurisdições. O DF
conta com 34 secretarias entre elas: Secretaria de Planejamento e Orçamento,
Secretaria de Assuntos Estratégicos, Secretaria de Habitação, Regulamentação e
Desenvolvimento Urbano, Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Os planos e
propósitos, os programas e projetos tendem a se exaurir na retórica, nos
discursos, nas proclamações, nos desabafos administrativos. Demora-se a
começar. Podem os planos nunca se iniciar. Interrompem-se com razões que se
justificam por deficiências orçamentárias. Abandonam-se projetos iniciados.
Planos e projetos obedecem à lei da flexibilidade e entregam-se com a qualidade
do mais ou menos.
O planejamento se esgota, por cansaço, no que é
possível fazer no dia a dia. O dia a dia comanda, hoje, no DF e no Brasil, a
execução dos serviços dando exíguo espaço ao planejamento. O amanhã dirá se o
começo de um projeto deve ou não continuar. Percebem-se obras em andamento. Não
sabemos para onde vamos nem quando chegaremos. Os planejadores dos governos se
defrontam com o mais ladino e imprevisível dos inimigos: o próprio governo.
15.12.2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário