Somos sete bilhões de seres humanos empenhados em
produzir toneladas de lixo diário
nos mais variados modelos e nas mais estranhas espécies. Do copo plástico do
cafezinho ao sofá desmantelado, do saco de supermercado ao carro despedaçado,
do toco de cigarro a restos de comida, embalagens diversas e entulho de
construção depositam-se à beira de rodovias, enchem-se contêineres, caminhões,
lixões, usinas de reciclagem, rios, córregos, lagos e o mar. Gases-estufa, lixo
atômico, usinas elétricas, carros e aviões, indústrias de todo tipo emitem CO2
e concorrem para o aquecimento global do planeta.
O lixo é sustentável por duas razões em consequência
de nosso estilo de vida: lixo gera lixo, isto é, para recolher lixo precisa-se
de algo que terminará no lixo; a reciclagem do lixo o transformará em nova
modalidade que, depois de usada, será jogada no lixo. Esta corrente é sem fim e
tem seu primeiro anel no próprio produtor de lixo: o homo sapiens.
As quantidades são enormes e escapam à capacidade
aritmética e à possibilidade de imaginar o que significam em números. E o que
mais assusta é o volume de lixo que não se vê. Há dejetos produzidos pela
agricultura, mineração, indústria, energia elétrica e resíduos líquidos que
alcançam cifras de bilhões de toneladas. Para onde vai esse lixo? Ao mar, à
terra, ao ar.
Essas montanhas que os lixões do Rio de Janeiro, São
Paulo, Belo Horizonte, Brasília apresentam na TV para comover os produtores de
lixo são apenas o que se vê. A ONU estima uma produção de lixo humano visível de
1 bilhão de toneladas por ano. Isto quer dizer o equivalente a 140 quilos por
pessoa no período de um ano ou quase meio quilo por habitante dia.
O que se deve observar é que apenas pequena parte dessa
montanha de lixo é reciclada. Mais de três quartas partes é puro desperdício. Vai
para o chão. No Brasil, recolhem-se diariamente ao redor de 240 toneladas de
lixo, ou seja, mais de um quilo por cidadão. No Distrito Federal, a média de produção
diária de lixo visível por habitante é de um quilo.
Somos incansáveis na produção de lixo e sequer
percebemos. Quando entramos no supermercado, na farmácia, no restaurante, no
posto de gasolina, na sala de cinema ou teatro, na oficina, na loja de material
elétrico, na gráfica, na livraria, no automóvel, ou saímos à rua, ou pegamos a
estrada para curtir as férias, grande parte do que compramos é ou será lixo. O
lixo é insinuante, nos engana e seduz. Produzimos lixo desde o berço. Nossa
casa é uma indústria de lixo que será aperfeiçoada na escola, receberá diploma
acadêmico na universidade e será remunerada com altos salários em nossa vida
profissional.
Há, porém, uma espécie de lixo do qual pouco se fala
por discrição, pudor, vergonha ou delicadeza social. Não menciono os cemitérios
para não ofender a reputação dos mortos ilustres. Aldous Huxley – Admirável
mundo novo – introduziu nos majestosos edifícios do Crematório de Slough
equipamentos para transformar o P2 e o O2 em fósforo ao
invés de poluir o ar da Inglaterra. Os filtros extraiam mais de um quilo e meio
de fósforo por corpo de adulto cremado.
Refiro-me, com circunspecção, a outro tipo de dejeto produzido
do qual não estão livres reis, papas, presidentes, pobres e ricos, grandes e
pequenos, precedido ou seguido de flatos cujo gás inunda os ares. A flatulência
gasosa se soma ao dejeto sólido. Esse lixo invisível, à razão de 250 gramas
diários, produzidos por 190 milhões de cidadãos brasileiros, coletados em vasos
de porcelana, é ainda desaproveitado. Alguns rios que outrora passavam sonhadoramente
por nossas cidades hoje cumprem o sanitário dever de levar ao mar milhões de
metros cúbicos de restos que o organismo humano despreza. Temos tecnologia para
aproveitar os dejetos de aves, bovinos e porcinos, ovinos e muares, mas as
fezes do homo sapiens ainda jazem sob
os nossos pés ou misturadas com as águas recicladas rio abaixo. A Microsoft
está patrocinando a construção de sanitários capazes de converter fezes e urina
em fertilizante. O futuro da tecnologia está assegurado
Tudo somado, o visível e o invisível, conclui-se que o
lixo em sua multifária variedade e inacreditável tamanho é um produto
autossustentável, renovável, durável e abundante. É um potencial inesgotável
mais que o petróleo para o futuro do crescimento da economia, da importação e exportação,
dos investimentos públicos e privados e para um PIB mundial e nacional robusto
e otimista.
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