Vivo
num país onde ninguém mente. O que é estranho: ninguém fala a verdade, do
presidente da república ao síndico do bloco. Ouço meias verdades, ditas com
constrangimento. Às vezes, ouço algum crítico impaciente a afirmar com
autoridade: a grande verdade é esta... e se esquece de dizer qual é a pequena
verdade.
Vivo
num país onde tudo funciona exemplarmente sob rajadas de críticas amargas.
Nossas invenções são referência mundial, não só para países bananeiros como
também para o Canadá, a Suíça e a Noruega.
Telefono
para o HOB e pretendo marcar consulta para correção de vista. A voz virtual de
mulher séxi pede para marcar o ramal desejado. Marco. Ela diz: aguarde! Aguardo
há 24 horas e nada acontece. O sistema caiu no espaço interestelar.
Ligo
de meu celular da operadora Vivo para outro Vivo. Ouço: o número discado está
programado para não receber “este tipo” de chamada. Volto imediatamente a
ligar. Minha filha atende. A ligação é gratuita, mas se interrompe. No visor,
aparece: “chamada retida”. Ela me liga de volta. Depois do olá! a ligação cai.
Várias tentativas e uma desistência. Finalmente consegui saber que todos estão
bem, menos a Vivo.
Vivo
num país onde a felicidade é geral. Todos estão otimistas. Todos estão
satisfeitos. Todos choram. Todos riem. Todos criticam. Todos têm razão. Todos
dizem que assim não vai. “Este país é uma merda”. Nada funciona.
Vivo
num país onde a população é, sem saber, anarquista. O brasileiro é um
anarquista simplório. Não gosta de chefe. Elogia o chefe. Dá presentes ao
chefe. Trai o chefe na primeira esquina.
O
brasileiro é, por natureza, um furtador. Furta o que pode. Quando pode. Onde
pode. Placas de trânsito desaparecem. Painéis advertindo que não se jogue lixo
à beira das estradas se transformam em canil para o cão de guarda. Se for pego
com a mão no alheio, nega. Se bebeu, diz que não bebeu.
No
ramo do furto há classificação: grandes e pequenos, especialistas e generalistas.
O prêmio ao furto milionário é a delação. Ninguém é culpado mesmo que devolva
parte do furto. Longe das grades da prisão, os advogados afirmam que o furtador
de nada sabe, nada viu. Uma inocência comovente.
É
por isto que me ufano de meu país. Caro turista recém-chegado, não verás nenhum
país como este.
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