Nasci num lugarejo e num tempo em que não havia ladrões. As portas das
casas não tinham chaves. Lembro-me de uma tramela frouxa na porta da cozinha que
nem sempre se mantinha na posição projetada. As roupas, à noite, permaneciam no
varal. Sapatos, botas e chinelos descansavam na soleira da porta.
As galinhas ciscavam livremente. Dormiam no galinheiro aberto e ali
botavam e chocavam seus ovos. O galinheiro foi, desde tempos imemoriais, a
tentação do inofensivo ladrão de galinhas, denunciado por elas em ruidosos
protestos em plena noite de sábado.
Dandão costumava convidar amigos ao risoto do domingo para o jogo do quatrilho regado a vinho bordô da
cantina Milani. Dandão só deixou o sagrado hábito do risoto quando o dono do
galinheiro armou uma arapuca que lhe prendeu a perna. Vociferou de dor e
vomitou meia dúzia de blasfêmias impublicáveis em coro com o desespero de
galos, galinhas e pintinhos perdidos.
Hoje, são raros os ladrões de galinhas. O que mais se ouve é: levaram
meu celular, roubaram meu carro, assaltaram os caixas eletrônicos do Banco do
Brasil, sequestraram o casal, saquearam a joalheria do Conjunto Nacional.
A modalidade mais eficaz de roubo (também dito desvio de dinheiro
público) sem violência nem derramamento de sangue é a que o senhor Costa,
premiado por ter feito um afano espetacular, revelou aos juízes e delegados do
Paraná. A fórmula é simples: o governo arrecada parte do dinheiro dos cidadãos
(confisco legal imposto) sobre salários, produtos, vendas, compras, serviços,
investimentos, empréstimos com o fim de construir o orçamento. Com esse
dinheiro, o administrador da república contrata empresas privadas para executar
uma obra qualquer (exploração de poços de petróleo, construção de metrô, transposição
do Rio São Francisco etc...). Prepostos do governo negociam com as empresas
contratadas o retorno de um percentual do valor contratado a um caixa provisório
para garantir novos contratos.
Uma parte do dinheiro do governo é devolvida ao governo pelas empresas
por meio desses prepostos. Eles guardam o que lhes cabe em suas contas na Suíça.
Outros milhões rumam para os facilitadores da burocracia e para os partidos
políticos se manterem no comando da administração da coisa pública. Há tempos,
os valores eram baixos e o percentual, alto. Hoje, os valores são bilionários e
1% pode significar milhões de reais.
Como o Estado tem arapucas independentes do governo, previstas na
Constituição (tribunais, polícias), os cozinheiros do risoto financeiro são
presos pelas pernas bambas da contabilidade, pela ostentação do patrimônio
pessoal e familiar, pelos jatinhos que voam de flor em flor, pelos automóveis
de luxo dez vezes mais valiosos do que uma casa popular na periferia longínqua,
pelas mansões faraônicas no país e no exterior.
Uma ínfima parte das contribuições de todos os cidadãos se destina a
programas sociais (renda, educação, saúde) para contrabalançar a gangorra da
desigualdade sem prejudicar as fortunas de empresas bilionárias. Uma farsa
consentida.
Sofisticou-se o ladrão de galinhas. Aperfeiçoaram-se as arapucas. As quadrilhas
não tem mais risoto para seu quatrilho
dominical.
Nenhum comentário:
Postar um comentário