DA MORTE À VIDA
Sou neto de imigrantes do norte da Itália. Enfrentaram
o Atlântico. Três semanas a bordo de um navio. Subiram a Serra Gaúcha.
Aculturaram-se numa terra bravia. Misturaram seu idioma à esquiva língua de
açorianos.
Tudo estava por fazer a seu redor. Eles o fizeram.
Povoaram as casas, as roças, os vinhedos, os vales, as montanhas, as cidades.
As madrugadas os encontravam na lide que se interrompia
ao cair do sol.
Mulheres grávidas, filhos no colo, crianças depois da
escola, homens jovens e velhos estavam no trabalho enquanto houvesse luz.
Às quatro horas da manhã, meu pai me despertava. Tinha
eu oito anos. O boi já estava na mangueira para o sacrifício. Levávamos o
animal ao cepo do matadouro. Eu segurava firme o laço. Meu pai acertava a
jugular do boi. O sangue jorrava e escorria pelo chão. O animal bufava. Virava
os olhos. Caia.
Vi a morte quase todas as manhãs. Era a luta pela
sobrevivência. A vida dependia da morte.
Amanhecia. O sol iluminava a floresta. Eu andava dois
quilômetros ao lado de colegas até a escola primária. Fui o único dos nove
filhos de dona Agnese a entrar para a universidade. Nela aprendi que a morte
precede a vida. E a vida é um tempo dado para ser feliz.
Por isso escrevo. Para não esquecer que, mesmo sem
governos paternais, pode-se ganhar a cidadania e prestar serviços à sociedade
das pessoas. Olho para o ribeirão que leva as águas ao mar. Percebo-me uma gota
a encher o oceano.
Hoje, precisa-se de bolsas e de cotas para construir
uma nação temerariamente desigual. E o ribeirão é feito de gotas solidárias que
correm para encher o mar.
12.10.2014
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