(Foto: Cerrado em chamas)
Diário do filósofo Abelardo:
Diário do filósofo Abelardo:
Numa
discussão, o outro nem sempre tem razão, mas dirá sempre a última palavra.
A fauna e a
flora do cerrado dependem da passagem do fogo. No Brasil, vamos ter que aprender a usar o fogo como ferramenta de
manejo, agora que a lei prevê a prática para o bem do ecossistema.
Giselda Durigan, engenheira
florestal, pesquisadora.
Reagi a propósito de
afirmações da pesquisadora e engenheira florestal Giselda Durigan (revista Pesquisa-Fapesp, edição no.
219/220) sobre a relação entre queimadas e manutenção da biodiversidade em
áreas de cerrado. Acompanho, há anos, discussões, debates e conselhos de
especialistas em agricultura e zootecnia sobre “queimadas programadas” para alimentação do gado.
Os efeitos visíveis da
passagem do fogo em áreas de cerrado apontam mais malefícios do que benefícios.
Por um lado, há uma surpreendente brotação de gramíneas e flores, depois do
fogo, para alimentação do gado em criação extensiva. Por outra parte, qual é o
custo-benefício ecológico e ambiental com perda de milhares de espécies, com
atraso no crescimento de pequenos arbustos, com expulsão e incineração de milhões
de vidas visíveis e invisíveis que compõem a biodiversidade do cerrado?
Acrescente-se a intensa secura do ar pela escassa evaporação arbórea durante o
período da estiagem mais aguda e o declínio dos mananciais quando não seu
desaparecimento em razão das queimadas.
A revista Pesquisa (Fapesp) no 222, por
intermédio da pesquisadora Giselda Durigan, respondeu às dúvidas que expressei
sobre suas conclusões, afinadas com as da especialista em savanas africanas
Caroline Lehmann, da Universidade de Edimburgo, Escócia, a respeito do uso de
fogo no cerrado como ferramenta de manejo.
Supostamente, segundo especialistas
de savanas, a passagem do fogo mantém a biodiversidade do bioma. Informa a
pesquisadora paulista que essa prática é levada com sucesso, há algumas décadas,
na África e Austrália. Os propósitos imediatos, econômicos, ecológicos e
ambientais, para a manutenção dessa prática não foram mencionados. Apenas
indica que é para manter a biodiversidade das savanas de lá que têm semelhanças
com o cerrado brasileiro.
A pesquisadora Giselda
Durigan ironiza minha afirmação de que, em quarenta anos de observação, estudo
e proteção da vegetação sistêmica nativa, houve um adensamento das árvores e da
colcha espessa de gramíneas (capim) em toda a extensão da propriedade de 70
hectares (Sítio das Neves, DF). Também classificou o processo utilizado nessa
propriedade como influenciado pelo “movimento conservacionista das últimas
décadas, centrado nas florestas (mas não nas savanas) e nas árvores (em
detrimento de capins, ervas e arbustos)”.
A investigadora justifica a
prática do fogo: “Embora os cientistas que estudam o manejo do fogo ainda não
tenham chegado a uma fórmula que seja ideal em todas as situações, há uma
certeza: não queimar é a pior opção”. Se os cientistas não citados ainda
estudam os efeitos do fogo sobre a biodiversidade, a afirmação de que “não queimar é a pior opção” soa leviana
e imprudente.
Parece que um dos sucessos
da pesquisadora é ter encontrado, na região pastoril de Santa Bárbara (SP), um
exemplar do arbusto Galium humile, da
família do café, nunca mais visto desde 1918. Ela atribui o achado às queimadas
frequentes na área para estimular a regeneração de pastagens necessárias à
alimentação do gado.
Todos os demais efeitos de
uma queimada são relegados a um plano sem importância. A biodiversidade do
bioma e da biota está intrinsecamente relacionada com a interdependência de
todos os seres vivos com inclusão da espécie humana.
Por conhecimento geográfico
e com vivência cerratense de 40 anos, observo que há diferenças climáticas
entre regiões do estado de São Paulo e do Planalto Central onde se localiza do
Distrito Federal. E é evidente a diferença entre áreas frequentemente queimadas
e áreas protegidas em termos de flora, fauna e resistência dos mananciais.
As queimadas anuais de nosso
cerrado, cuja função rudimentar e essencial é “limpar os campos” e provocar o
surgimento imediato de algumas espécies de gramíneas para alimentação
tradicional do gado zebu mestiçado, deixam sequela de milhares de mortes.
Milhares de espécies da fauna e da flora jazem carbonizadas no chão.
Então, em que aspecto a
biodiversidade é mantida? Não só as sementes de árvores e arbustos como
ninhadas de pássaros, milhões de insetos e pequenos animais são incinerados.
Agregue-se a essas perdas o volume de carbono que se espalha pela atmosfera e a queda do
nível de umidade pela ausência de evaporação arbórea, sabendo-se que uma árvore
pode jogar diariamente, no ar, dezenas de litros de água, segundo cientistas
renomados como Antônio Donato Nobre.
Ao contrário do que insinua
a pesquisadora Durigan em sua resposta, dezenas de espécies de capins do
cerrado povoam densamente a área que preservo em consequência da opção de não
queimar, situação diferente das propriedades vizinhas cuja opção é queimar.
Não só é constatada por
especialistas a presença massiva de capins nessa área protegida, como a
existência de bacuparis, muricis, mangabeiras, variedades de mirtáceas,
curriolas, pequis, guarirobas, catolés, mama-cadela, araticuns, marmelo-do-cerrado,
canelas-de-emas e orquídeas. Uma incontável variedade de flores e frutos
silvestres garantem a comida de macacos-prego, saguis, quatis e mão-pelada.
Por convivência de 40 anos
no Planalto Central, por razões biológicas, pela lei da interdependência dos
seres vivos, por respeito à biodiversidade e pela sorte de fazer parte desta
biocomunidade, continuo com a convicção de que não queimar é a melhor opção para todas as espécies vivas do
cerrado.
1/9/2014
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