De tempos em tempos, nos últimos 20 anos, uma nova
legislação sobre contratos de trabalho das denominadas empregadas domésticas
entra na pauta de discussões no Congresso Nacional. Hoje a denominação evoluiu
para Trabalhadores Domésticos, no masculino, mesmo sabendo que a maioria seja
feminina.
A Organização Internacional do Trabalho divulgou dados
importantes sobre as e os trabalhadores que prestam serviços domésticos em
casas alheias. Segundo a OIT, o Brasil conta com 7,2 milhões desses
profissionais. O mesmo número havia sido divulgado, há tempos, pelo IBGE, mas
não causou o mesmo arrepio suscitado pelo organismo internacional. O serviço
que prestam em casas alheias é o mesmo e da mesma forma que realizam em seus
lares. Aprenderam em casa. Herdaram a língua, os gestos e a cultura de seu
grupo familiar. Dispõem-se a compartilhar sua herança a outra classe de
pessoas. São dois mundos que giram em paralelo: a trabalhadora doméstica e a
patroa.
O número divulgado é generoso e talvez não inclua todos os
profissionais do ramo. Mas, convenhamos, é muita gente. Essa população é maior
do que a da Finlândia (5,3 milhões) e mais de duas vezes a do vizinho Uruguai
(3,3 milhões). Se aceitarmos que cada trabalhador doméstico (a maioria
mulheres) tenha uma família de três membros, a população envolvida chega a 21,6
milhões. Os especialistas convidados a discutir o assunto esqueceram-se de
mencionar o outro lado: 7 milhões de patroas com suas respectivas famílias,
formando dois conjuntos de mais de 43 milhões de pessoas.
Os especialistas debateram o tema. Demonstraram a origem social
e geográfica desses profissionais, suas raízes no período escravagista (existiram
em todos os impérios e reinos), as falhas da Constituição Federal que garante
apenas nove dos 36 direitos dados aos trabalhadores em geral. Distinguiram-se
categorias entre os trabalhadores domésticos: mensalistas, diaristas,
residentes. Quase todos emigrantes, sem especialização, os serviços domésticos
são sua única oportunidade de ganhar o pão de cada dia. Reações a mudanças na
lei para garantir aos trabalhadores domésticos os mesmos direitos trabalhistas
têm dificultado a determinação de salários dignos e justos. O cumprimento das
medidas propostas para os novos contratos de trabalho oneraria o orçamento
familiar.
Nenhum programa de TV, a não ser uma ou outra trabalhadora
entrevistada por jornais, convidou legítimas empregadas domésticas, com mais de
30 anos de experiência acumulada, para debater o assunto e colher sugestões
para melhorar a convivência entre os 7,2 milhões de trabalhadores domésticos e
os sete milhões de patroas. Os números indicam que há demanda abundante e
oferta correspondente para execução desses serviços.
No Distrito Federal, uma diarista que saia do Condomínio
Albatroz, em Valparaíso (GO), às 5h da manhã para tomar o ônibus das 6h20, na
BR-040, chega à Asa Sul de Brasília, entre 8h40 e 9h10. Encerra suas atividades
às 16h30 e só estará em casa à 19h. São 14 horas de desgaste diário.
A OIT considera que a remuneração com base no salário mínimo
possa melhorar as condições de emprego dos trabalhadores domésticos. Não
necessariamente um salário mínimo. Ninguém é obrigado a dar apenas o salário
mínimo. Certamente, não menos. Embora poucos e por motivos específicos, há
trabalhadores domésticos com remuneração muito superior à média. Existem também
diferenças gritantes de pagamento segundo as regiões do país.
Um rápido exercício, tomando o salário mínimo como base da
remuneração, mostra a necessidade de se avançar no estabelecimento de um
contrato de trabalho que corresponda às importantes tarefas executadas por essa
categoria de trabalhadores. Reduzindo a valores diários o SM (R$678), férias (R$904)
o 13º(R$678), transporte (R$5,00), subtraído o valor do INSS (R$54,24),
correspondente ao contratado, o trabalhador ganharia R$30,07 reais, o que somaria,
no mês, um salário correspondente a R$ 900,00. Note-se, porém, que 13º e férias
são pagos em tempos distintos e o FGTS tem seu regulamento especifico. Na
prática, o salário desse trabalhador se reduz a R$25,80 por dia. Em Helsinki, a
trabalhadora profissional de serviços domésticos, em casa de minha sogra, cobrava, em 2005, 40 euros por hora (R$
100,00). Normalmente, esse tipo de ajuda complementar é realizado em duas horas.
A maior parte das tarefas caseiras, nesse país, é feita pelos membros da
família.
Tomando-se em consideração o número divulgado pela OIT (7,2
milhões de trabalhadores domésticos), não seria conveniente propor a criação de
uma escola específica, descentralizada ou móvel, com determinado número de
horas, em horários adequados, com currículo de interesse dos trabalhadores
domésticos para formar profissionais do serviço doméstico? Não só para os
atuais como para todos os que quiserem prestar este tipo de serviço. Os
professores, além de especialistas nos diversos ramos das atividades
envolvidas, seriam selecionados dentre os trabalhadores domésticos com
experiência comprovada.
Dentre as matérias a serem ministradas aos interessados se
poderiam mencionar: química de desinfetantes tóxicos, limpeza de cerâmicas,
vidraças, operação de eletrodomésticos, montagem e desmontagem de fogão,
separação de lixos, descongelamento de geladeiras e freezers, acidentes
domésticos (queimaduras, quedas), técnicas de passar roupa, cozinha, jardinagem,
primeiros socorros e uma variedade de outros conhecimentos úteis e necessários
para dar ao trabalhador um status profissional no ramo.
O contrato de serviços profissionais especializados é fruto
de uma decisão de quem precisa e deseja produtos de qualidade executados por
especialistas num lugar e tempo determinado. O valor do produto é pactuado por
ambas as partes em plano igualitário, pois depende da urgência, importância ou
necessidade de quem o pede e da capacidade efetiva de quem o executa.
Nos contratos atuais, formais e informais, para execução de
serviços domésticos, em sua grande maioria, a força do demandante é
desproporcional à dos trabalhadores ofertantes. A necessidade de conseguir uma
fonte de renda para a subsistência própria e a da família fragiliza a proposta
do trabalhador e o pacto não se faz num plano igualitário. Muitas trabalhadoras
domésticas exercem a função de administradoras do lar alheio e, depois de anos,
tornam-se segundas mães, quando não primeiras mães de crianças.
A solução honrosa para essa enorme população trabalhadora de
7,2 milhões de pessoas, e outras mais que poderão se unir a elas, é a
profissionalização do trabalhador em escola especializada voltada para suas
necessidades e interesses.
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