terça-feira, 5 de janeiro de 2010

RELIGIÃO

O culto aos mortos que deixaram, além da prole, a casa e as primitivas técnicas de plantio, pode ser uma das raízes da religião (Heuser). Os vivos se religam aos mortos. Onde estão? Encontrou-se lugar para eles. Os bons, para um lado − o Nirvana . Os maus, para outro − o Hades.
Quem comanda o outro lado? Alguém superior a todos. Como aqui, lá deve haver um chefe. Os ritos e as liturgias para celebrar essa memória de religar-se aos mortos foram-se difundindo, diversificando e aperfeiçoando. Transformaram-se em força política. A religião se consolida no espírito humano quando os que dominam o lado invisível e desconhecido decidem relacionar-se com os seres terrestres. Os humanos tornaram-se parentes dos seres divinos. Somos irmãos, primos, sobrinhos, tios, genros, noras, cunhados e avós de pessoas divinas. O Deus de Israel é, ao mesmo tempo, filho, pai, tio, avô e cunhado da descendência de Jesus. O nepotismo pode ser considerado uma invenção antiga.
Todos os povos da terra praticam algum tipo de religião ou religação com ou sem Deus. Qual é a finalidade prática da religião? Templos, ritos, liturgias? Submissão do ser humano mortal a uma divindade sem começo nem fim? Exploração da ingenuidade, do medo, da morte para consagrar verdades e dogmas jogados à responsabilidade da fé sem discussão? Encher a alma de paz, de boa vontade, de solidariedade, de amor?
Napoleão I, diante de cadáveres nos campos de batalha, ousou definir esse sentimento que domina a maioria das pessoas: “A religião é aquilo que impede os pobres de matarem os ricos”. O imperador guerreiro não se deu tempo para completar o raciocínio. Poderia ter concluído que a religião é aquilo que não impede os ricos de matarem os pobres, ou de se matarem, pobres e ricos, entre si.
Para ser humano, para dar sentido à própria existência como partícula do universo não sinto falta de religião. É-me suficiente compreender que, para agir coerentemente, o outro sou eu. Somos todos parentes, os de lá e os de cá, e pertencemos à mesma árvore genealógica que produz o bem e o mal até secar e ser devorada pelo cupim.

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