quarta-feira, 20 de agosto de 2008

SUPERPOPULAÇÃO DE BRASÍLIA

Há algum tempo o mundo dá sinais de superpopulação. A guerra pelo espaço físico se espalhou pelo globo, ocupa as páginas de jornais e revistas, enche a tela dos noticiários da TV. Razões da guerra: poços de petróleo, ouro e pedras preciosas, fanatismos religiosos e raciais, perseguições políticas, dominação econômica, desemprego e fome. Tudo isto indica que há gente demais no mundo. Fizemos filhos além do suportável. Os espaços estão perigosamente ocupados. Estamos explorando as riquezas naturais com uma intensidade e velocidade acima de sua capacidade de recuperação.
Quando se fala em superpopulação é preciso associar este fenômeno a dois elementos vitais para a sobrevivência humana: água e alimentos. A produção de alimentos em escala para suprir as necessidades básicas de uma grande população modifica o ambiente natural, destrói o equilíbrio antes existente e requer o uso intensivo de água para contrabalançar a tecnologia pesada e os reagentes químicos utilizados..
Os cultivos intensivos de milho, soja, trigo, por exemplo, por constituírem massas compactas, atraem fungos e predadores contra os quais se utilizam fortes pesticidas. Paralelamente, as grandes populações, cada dia mais apinhadas em espaços reduzidos, são propensas a doenças e epidemias recorrentes e outras mais duradouras como a AIDS.
À medida que uma população se expande sobre uma área, o espaço por habitante se encolhe e a pressão sobre ele se intensifica de muitas maneiras. A concentração de moradias, as vias de comunicação, os equipamentos de serviços públicos e privados se impõem, reduzindo os espaços verdes. O crescimento da população é inversamente proporcional à oferta de espaço. A ocupação de áreas obedece a critérios e princípios que vão do físico, ao cultural, social e econômico. Algumas áreas não serão adequadas à moradia, à indústria, ao comércio, à agricultura. As populações vão se espalhando de acordo com conveniências, necessidades, interesses, oportunidades que tornem a vida mais satisfatória.
A superpopulação é mais intensa e se faz sentir mais nos países pobres. Os países ricos, por razões econômicas, controlaram a tempo o crescimento populacional. Nesses países desenvolvidos a relação entre as pessoas e a natureza criou laços de respeito e colaboração necessários à sobrevivência humana.
A difusão da cultura ambiental desenvolve nas pessoas uma compreensão maior da natureza da qual fazemos parte. É comum as pessoas pensarem que a humanidade é dona da natureza e não parte dela. As relações são recíprocas e na medida em que se agride a natureza ela se vinga com secas fora de época, calores surpreendentes, enchentes desastrosas, ventanias arrasadoras, pois não encontram mais as cortinas florestais nativas e resistentes. Em seu lugar plantaram-se eucaliptos e outras espécies de ciclo curto para fabricação de móveis e papel ou semeou-se capim para as enormes manadas de gado, iniciando futuros desertos. Os fenômenos naturais precisam de espaços de manobra para se completar. Bloqueamos de mil maneiras esses espaços e sofremos as conseqüências.
O Brasil, apesar de seu tamanho continental, chegou há pelo menos uma década a seu limite de espaço para a população atual. É um fato inconteste que as pessoas não encontram mais espaço para viver dignamente. As capitais do país incham em todas as margens e os movimentos sociais estimulam invasões onde acreditam ser possível sobreviver. São espaços ilusórios. É apenas deslocamento de gente e de problemas.
Algumas comparações entre o crescimento da população no Brasil e em Brasília podem ser úteis para se compreender o estado de superpopulação nacional. No período 1950-2008, a proporção habitante por hectare tem diminuído gradativamente. Em 1950, cada brasileiro podia desfrutar das riquezas de 16 hectares. Em 2000, essa área baixou para 5,0 hectares e, em 2008, reduziu-se a 4,4 hectares por habitante. A pressão do crescimento da população sobre o espaço foi impactante. A capacidade da sociedade e do Estado de administrar a população não cresceu na mesma proporção. Em vez de uma ocupação racional e homogênea do espaço geográfico, intensificou-se, por um lado, a migração campo cidade com todas as conseqüências conhecidas e, por outro, a devastação do Cerrado e da Amazônia, com uma agricultura demolidora para produzir alimentos e extrair matéria-prima para as indústrias nascentes.
O impacto do crescimento da população sobre o espaço geográfico forçou a exploração em profundidade e extensão do território de tal forma que um hectare terá que produzir muito mais riqueza do que antes.
Exercícios comparativos foram apresentados por estudiosos sobre o impacto da pressão populacional sobre a ocupação da terra, com vistas não só à sobrevivência como também ao desenvolvimento humano das populações. Na abrangência do hectare, estão contemplados todos os elementos físicos, culturais e econômicos que permitem níveis de desenvolvimento diferenciados segundo as formas de exploração. Na hipótese de que 2,4 hectares fossem suficientes para dar à população brasileira o nível de satisfação atual, o Brasil suportaria 360 milhões de habitantes. Proporcionalmente, Brasília não poderia ter mais do que 245.000 habitantes. Se o Brasil impulsionar um impacto de 4,1 hectares por habitante para alcançar o nível de vida da Suíça, a população brasileira deveria estabilizar-se em 207 milhões de habitantes. E Brasília só poderia abrigar 142.000. As condições climáticas podem ser determinantes para o crescimento da população. Para alcançar o desenvolvimento dos Estados Unidos da América, cujo impacto é de 9,7 hectares por habitante, o Brasil deveria ter controlado sua população em 87 milhões de habitantes. E Brasília, 60.000.
Os exercícios são hipotéticos e lineares, mas reveladores dos possíveis efeitos do crescimento da população contraposto à limitação dos espaços, à fragilidade da natureza e à imprevisibilidade dos fenômenos naturais. Nas circunstâncias do mundo de hoje, o conforto, o bem estar, o consumismo compulsivo impõem exploração exaustiva e quantidade maior de espaço para satisfazer necessidades, desejos e ambições.
Brasília, em 1960, tinha 140.164 habitantes e, em 2008, o Distrito Federal abriga, aproximadamente, 2.900.000 habitantes, com um espaço per capita de 2.030 m2, ou 1/5 de hectare. Lúcio Costa havia previsto uma população de 500 mil habitantes para o Distrito Federal até o ano 2000, o que daria uma relação de 1 hectare por habitante.
Os parques da cidade, vítimas de freqüentes incêndios, são pequenos para acolher a população que se espraia pelos arredores de Brasília. A poluição constante de todos os córregos do Distrito Federal, o desmatamento insensato do Cerrado, o desaparecimento de milhares de espécies, únicas no Brasil, e a morte de centenas de nascentes são alguns dos resultados dolorosos do superpovoamento desta parte do Planalto brasiliense.
A superpopulação de Brasília compromete, em nossos dias, a qualidade de vida dos brasilienses. A impactante ocupação dos espaços, tanto horizontais quanto verticais, tende a piorar as condições de vida do brasiliense diante dos estímulos à expansão imobiliária, aos requerimentos do trafico terrestre e aos novos projetos de ampliação urbana previstos para a próxima década.


20.08.08

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