terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

CATÁSTROFE AMBIENTAL NO DF

Poços artesianos pululam no DF (Foto: Eugênio Giovenardi)

Publicado no Correio Braziliense em 24.2.2015


A catástrofe ambiental no Distrito Federal não é uma profecia para o ano 2018, quando se celebrará em Brasília o 8º. Fórum Mundial da Água. É um fato atual em processo.
A área do DF é de, aproximadamente, 578.000 hectares (5.780 km2). Segundo o plano de ocupação regional do DF, apresentado pelo Dr. Lucio Costa, 80% (462.000 ha) seriam reservados às atividades rurais, reflorestamento, preservação de nascentes e cursos de água, e 20% (116.000 ha), à urbanização (serviços, habitação, educação, comércio, lazer, rodovias). Essa relação, embora quantitativamente imprecisa, se altera dia a dia em detrimento das áreas verdes.
Atualmente, a urbanização intensiva e extensiva com a ampliação das cidades-satélites e criação de condomínios rurais, os corredores verdes encolhem. A biodiversidade se reduz. Aos 2,8 milhões de habitantes do Distrito Federal se agrega anualmente uma população correspondente a um bairro como o Núcleo Bandeirante com mais de 40 mil habitantes. A expansão da cidade se faz, em grande parte, sobre a área verde.
Essa inversão da ocupação de terras e do uso inadequado do solo desencadeou um processo irrefreado de desertificação do Cerrado, com eliminação de nascentes, desmatamento indiscriminado, defaunação e perturbação dos aquíferos subterrâneos por meio de poços tubulares e artesianos. A impermeabilização de grandes áreas impede a infiltração e recarga dos aquíferos.
A ocupação das áreas rurais tem se intensificado, nos últimos anos com grilagem, invasões e venda irregular de terras. Surgem inúmeras agrupações de vinte a trinta casas nas encostas dos morros. Um sobrevoo sobre as bordas do DF pode comprovar os fatos. A forma de ocupação e instalação das moradias obedece a comportamentos tradicionais: destruir para construir. Desmata-se a área. Limpa-se o terreno com fogo. Deixa-se desnudo o campo. As primeiras chuvas lavam o terreno. Arrastam para os córregos terra, pedras, madeira e lixo normalmente jogado no chão. As múltiplas gramíneas do cerrado, aptas a deter a água da chuva e abrigar a biodiversidade, desaparecem. É o começo do deserto.
O abastecimento de água se faz por poços tubulares ou artesianos por empresas de perfuração nem sempre autorizadas pela Adasa. Quase nenhuma preocupação transparece para a preservação da vegetação nativa e a detenção das águas da chuva para conservação das nascentes. Para ocupar uma área é preciso observar três aspectos essenciais: o uso do solo para múltiplas necessidades, a instabilidade climática e a densidade da população.
É possível conviver com o cerrado. Preservo, há quarenta anos, uma área de 70 hectares às margens do Ribeirão das Lajes, na bacia hidrográfica do Rio Santo Antônio do Descoberto, ao sul do Distrito Federal. Um denso tapete de gramíneas, a conservação da vegetação nativa, protegida por centenas de pequenas barragens de detenção das águas da chuva, propiciam a infiltração e a recarga dos aquíferos. Mesmo durante as chuvas, resultado da conservação da densa vegetação, as águas dos córregos dessa área preservada desembocam limpas no Ribeirão das Lajes que desce sujo e poluído pela ação descuidada dos moradores.
As dificuldades econômicas crescentes, o custo da habitação, os consequentes impostos a ela vinculados e o crescimento da população do DF propiciam a ocupação inadequada e desordenada de áreas de proteção ambiental.
A peculiaridade da conservação do solo no DF indica que um plano de ocupação ecológica deve ser posto em prática no sentido de orientar a ocupação impulsionada pelo crescimento populacional.
Os órgãos de decisão precisam decidir. As pessoas não conseguem ver o precipício até que esteja diante delas. As políticas econômicas podem ter resultados deseducadores. A cegueira ecológica dos administradores e dos cidadãos ocasiona consequências desastrosas.
A Secretaria de Meio Ambiente, a Adasa, a Caesb, o Ibram, a Secretaria de Agricultura têm estrutura e técnicos especializados. Podem oferecer orientação adequada aos moradores para a conservação da vegetação nativa, a detenção de águas pluviais e preservação de nascentes e cursos de água.
A catástrofe ambiental em curso afeta especialmente os mananciais, a vegetação nativa e ameaça os atuais e os futuros habitantes do DF com a falta de água. Ela poderá ser minorada se um vigoroso plano de preservação ecológica for levado a efeito pelos órgãos responsáveis com o apoio e o interesse da sociedade brasiliense e dos meios de comunicação.



domingo, 8 de fevereiro de 2015

VILÃO HÍDIRCO


(Foto: vocesabia)

Retoma-se a discussão para apontar quais são os setores que mais consomem água. O vilão, nas estatísticas, sempre foi a agricultura, com 72% da água diretamente consumida pela espécie humana. Poucos relacionam o consumo de energia ao consumo da água. Esquece-se até que a água produz energia elétrica fazendo rodar geradores.
Para gerar um KW de energia são necessários 6.660 litros de água, segundo os medidores de usinas hidrelétricas. Em nosso apartamento (duas pessoas), consomem-se, em média, 210 KW/mês. Convertidos em água, somam 1.400.000 litros. Além do consumo relativo à energia, há outras atividades da casa e dos moradores que requerem água, numa proporção de 150 litros per capita, ou mais 9.000 litros. É evidente que a redução do consumo de água deve se dirigir ao uso da energia elétrica.
Nas cidades, vivem 80% da população. Não será o cidadão urbano o vilão escondido que está esvaziando as represas?
As informações sobre uso e consumo de água, no Brasil, refletem apenas os dados coletados em algumas categorias de consumidores e suas atividades. Esses dados refletem o uso direto de água pelas pessoas e nas atividades econômicas. Poucas ou raríssimas vezes faz-se relação entre o uso da água e tamanho da população.
Todas as categorias mencionadas nos relatórios estatísticos são aspectos de um único usuário final da água: o cidadão. A água gasta para produzir automóveis, ou soja, ou leite, ou carne tem como objetivo final a sobrevivência, a reprodução e o bem-estar da população. Por exemplo: que volume de água é necessário para construir um automóvel que será usado pelo cidadão? Que volume de água é necessário para levar um bovino aos 400 quilos? Na agricultura, o mais nefasto talvez não seja o que se tira do subsolo, mas o que nele se introduz poluindo águas.
Uma importante relação entre água e energia é feita de maneira a encobrir a realidade dos dados apresentados. É verdade que todas as atividades humanas poderiam ser realizadas com menos consumo de água. Na agricultura, na fabricação de automóveis, na construção civil gasta-se mais água do que é mencionado nas estatísticas. Por quê? Porque não se faz a relação entre água e geração de energia elétrica.
Alguns exemplos podem ilustrar o verdadeiro volume de água gasta em algumas atividades. Vamos aceitar um dado referencial mencionado por cientistas da produção de energia elétrica: 6.660 litros de água para produzir um KW.
Um horticultor que irrigue um hectare de hortaliças com 10.000 litros de águas (1 l/m2) e use um motor elétrico que gaste 10 KW por dia. O consumo direto de água será acrescido de 66.660 litros que se referem indiretamente à produção de energia. Nesse dia, o horticultor gastará 76.660 litros ou 76 m3. Se só utilizar esse volume durante 52 semanas (um ano) seu consumo de água para oferecer hortaliças ao Ceasa será de 3,98 milhões de litros ou 3,98 mil m3.
O horticultor é um cidadão comum e usa água para outras finalidades do dia a dia. Como todo cidadão tem “direito” a 120 litros/dia. Terá consumido, no ano, 43.800 litros ou 43 m3. Somado o custo de 60 KW mês que gasta para diferentes fins, o consumo de água se acresce de 4,7 milhões de litros ou 4,7 mil m3. O consumo anual de água do cidadão, direta e indiretamente, estará próximo a 4,9 milhões de litros ou 4,9 mil m3.
Em conclusão: para produzir hortaliças, gasta 3,98 mil m3. Para satisfazer suas necessidades individuais, gasta 4,91 mil m3, num total de 8,89 mil m3.
Em ambos gastos, o consumo indireto de água é maior do que o consumo direto. Fato que induz a que a redução do consumo de água depende da redução do consumo de energia gerada pela água.