sexta-feira, 31 de maio de 2013

ONDE COMEÇA O LIXO




(Foto: Lixo produzido na indústria com alta tecnologia)

O lixo orgânico, biodegradável, que pode ser absorvido pela natureza com ou sem processamento, transforma ou impulsiona novas vidas.
O lixo sólido é uma excrescência econômica resultante do fanatismo produtivo, industrial, poluidor, desatento à proteção do solo, da terra, do ar e da água. O lixo começa na produção de qualquer produto. As embalagens são uma das causas do lixo. Toma-se o refrigerante e sobra uma embalagem plástica ou de vidro. Reformam-se apartamentos e descarregam-se toneladas de material à beira das estradas ou lixões.
A ditadura econômica e financeira cria padrões de produção e consumo gerador de violência, competição, guerras entre pessoas, comunidades, cidades e países. A ditadura econômica é a mãe da ditadura administrativa e burocrática formuladora de políticas, programas e projetos de investimentos sem controle dos cidadãos.
Os adoradores do PIB são escravos de sua própria incapacidade de sustentá-lo. Ziguezagueiam seus discursos, sua retórica, suas justificativas diante do insucesso de um índice. Tudo o mais é esquecido: o descontrole do consumo, o esbanjamento da riqueza produzida, a corrida ao mais novo, à tecnologia inútil e ineficiente, a angústia do devedor, a frustração do cidadão. A multiplicidade de leis, normas, regras, controles e fiscalização abafam, sufocam, irritam as pessoas.
Sobra lixo à beira das vias. Os lixões crescem. O assalto ao lixo é também uma ação oficial do poder público. Há os milionários do lixo ao lado dos pobres do lixo. A desigualdade convive em alta e baixa tecnologia. É uma guerra entre a sociedade e o Estado. Entre a organização social e as decisões de governos. Com a mão esquerda, o governo afaga os pobres do lixo. Com a mão direita, abençoa os milionários do lixo com favorecimentos contratuais e em nome da sustentabilidade do crescimento. Ética e moral são trucidadas pela corrupção pequena e grande. Corrupção infiltrante, metástase que penetra todos os membros do organismo. 
Diminuir a produção de lixo, rever os processos de produção que renovem também as formas de consumo são pontos cruciais para uma nova economia ecológica de respeito à biocomunidade e à interdependência dos seres vivos.

O lixo é a dor de cabeça do mau funcionamento do organismo produtivo. O lixo é apenas um sintoma do desfuncionamento industrial. Não se pode contar apenas com o melhoral ou a aspirina da coleta e reciclagem de lixo para curar a enxaqueca econômica em nome da oferta de postos de trabalho e garantia de renda de catadores pobres e ricos. Há que se rever os padrões de produção para reorientar a cultura do consumo. 

quinta-feira, 30 de maio de 2013

ONDE AS ÁGUAS?

Caminhei pela quadra onde moro, ontem, antes da rápida e última chuva do período. A terra pedia água, visivelmente seca. A vegetação retraída, murcha, fazia evidente economia de água nas raízes.
Onde estão, perguntei-me, aqueles bilhões de litros de águas das chuvas do mês de março? Rolaram pelo asfalto em direção ao Lago Paranoá, arrastando toneladas de lixo e terra, abrindo valetas. O Lago se encheu de água, terra e lixo.
A captação e detenção da água da chuva ainda levarão tempo para tocar a inteligência administrativa do espaço que abriga o conjunto de seres vivos da cidade. A compreensão dos administradores precisa ir além dos meros interesses econômicos da população urbana. Mais além das avenidas, viadutos, estacionamentos e obras monumentais.
A água, o ar, a luz, as plantas, as gramíneas, os pássaros fazem parte da grande assembleia da qual participa o ser humano. A água da chuva precisa ser administrada com inteligência e com a mesma tecnologia que constrói uma arena para a prática ou apresentação de jogos e exercícios físicos.
Se as plantas que foram introduzidas nesta assembleia sofrem pela falta de água é toda a biocomunidade que padece. Em seu habitat e espaços naturais, as plantas e os animais, incluído o homem, há uma acomodação sazonal de cada espécie se o ambiente não foi modificado.
Uma cidade é um ambiente modificado, artificial. Tem, portanto, requerimentos que a modificação impõe. Esses requerimentos não foram suficientemente compreendidos pelas administrações das cidades. A captação da água da chuva em galerias subterrâneas, para benefício da biocomunidade no período seco, é um requerimento que ainda não foi compreendido pelos administradores urbanos.


28.5.2013

quinta-feira, 23 de maio de 2013

A DESFIGURAÇÃO DO CERRADO PELA OCUPAÇÃO RURAL E URBANA







Ao ocupar um espaço da natureza, seja para produzir alimentos, seja para construir uma cidade, é necessário saber e lembrar que ali existem, há milhões de anos, habitantes com direito à vida. Não só pela vida de cada um dos indivíduos das múltiplas espécies como e principalmente pela interdependência de todos os seres vivos que nela habitam. O desequilíbrio dessa interdependência pode ser irreparável ou sua parcial recomposição poderá demorar dezenas ou centenas de anos.
A entrada da espécie humana em uma área já habitada significa, antes de qualquer coisa, participar da interdependência global para sobrevivência e reprodução do conjunto dos seres vivos de um bioma. O ser humano é excepcional, pois é o único, entre todos os seres, que pode e deve se perguntar em que e como sua presença participará dessa interdependência, dessa biocomunidade. Que mudanças a mão humana provocará no ambiente no qual compartilhará com todos os demais habitantes originais dessa área? Essa pergunta é raramente feita.
A experiência tem demonstrado que, nas formas de ocupação dos espaços rurais e urbanos, o ser humano, especialmente na época atual, age mais por instinto de exploração para sua sobrevivência e reprodução egocêntrica e menos por inteligência e conhecimento do conjunto natural no qual vai se instalar.
Houve, ao longo dos séculos, uma inversão das necessidades e interesses da caminhada humana. E essa inversão se fez saindo da floresta para os agrupamentos humanos e cidades. O ser humano, como qualquer ser vivo, se originou das águas e das florestas impulsionado e submetido às leis biológicas, genéticas e orgânicas da natureza. E, por milênios, a elas esteve ligado. A organização biológica de todos os seres vivos é essencialmente a mesma. “Cada vida tem vontade-de-vida não no isolamento, mas em meio a outras vontades-de-vida”. (Albert Schweitzer) Todos os seres vivos têm suas raízes no mesmo chão e se alimentam dos mesmos elementos básicos.
Os agrupamentos dos seres vivos obedecem à mesma estrutura vital de reprodução e constroem seu grupo genético consolidado numa organização social: abelhas, formigas, cupins, aves, macacos, seres humanos. A maior ou menor mobilidade dos diversos grupos de seres vivos, vegetais ou animais, entre estes o animal consciente, depende da oferta de alimento propiciada pela natureza. A fixação das diferentes espécies nas distintas regiões do planeta segue, há milênios, esse critério de oferta de alimento cuja base está na lei natural da rigorosa interdependência para a sobrevivência e reprodução da vida e satisfação existencial. A cada ser vivo sua felicidade.

Capacidade de adaptação

Diferentemente dos leões da África, dos ursos polares, dos flamingos de Galápagos, dos pinguins antárticos, das araucárias do Sul, o ser humano é uma das espécies capaz de se adaptar em qualquer região do planeta onde pode obter alimentos retirados de outros seres vivos que a natureza produz. Essa disposição orgânica de digerir a incalculável diversidade de alimentos existentes nas diferentes regiões do mundo distorceu a lógica de sua interpretação. O ser humano concluiu que tudo o que existe lhe foi exclusivamente destinado. Assim pensava Aristóteles e a Bíblia, na fábula da criação do universo, consagrou o mesmo princípio com a ordem expedida aos primeiros habitantes do planeta: “crescei e multiplicai-vos, dominai a terra e tudo o que nela há”. Seu instinto de dominação se desenvolveu e o ser humano se deu o direito de escravizar todas as espécies vivas, inclusive indivíduos de sua própria espécie sob o argumento da sobrevivência e reprodução egocêntrica.
No fato da interdependência dos seres vivos há que ser como a natureza e o conjunto do universo: manter o equilíbrio racional ameaçado sempre pelo dogmatismo de verdades ou de virtudes. A lei da gravidade não prescinde da lei da inércia. O respeito a todas as formas de vida significa que uma serve à outra. A dignidade diante da vida como valor primordial está em respeitar os limites da mútua incorporação de vidas.
A espécie humana, porém, degenerou para o egocentrismo, estabelecendo-se como centro do universo para a qual todos os demais seres devem convergir sob o comando de seus artifícios tecnológicos. O mundo pacífico, ecocêntrico, está perigosamente dominado pela fúria bélica antropocêntrica.

Crescimento da população humana

A abundância de alimentos à margem de grandes rios, de extensas planícies e densas florestas da África e da Ásia garantiu uma crescente reprodução de todos os seres vivos e deu à espécie humana a capacidade de compartilhar deles circunscrita, porém, nos limites do equilíbrio natural. O crescimento das populações humanas em distintas regiões do planeta provocou, ao longo de milênios, redução significativa de espécies vivas e da abundância de alimentos localmente disponíveis. Diferentemente de outras formas de vida, a espécie humana desenvolveu artifícios e truques, graças ao desabrochar evolutivo de suas funções cerebrais, que lhe possibilitaram de se adaptar às surpreendentes e drásticas mudanças climáticas.
Os sobreviventes das sucessivas demonstrações de força dos fenômenos naturais se recompõem e se reorganizam para sobreviver e se reproduzir. Domesticam sementes, guardam grãos para o inverno, melhoram os equipamentos de caça, aventuram-se nas águas dos mares, amansam aves, cabras, porcos e cavalos. Agrupam-se, transformam em abrigos as cavernas das rochas ou edificam sobre elas povoamentos sólidos e protegidos. A população cresce e se expande. Ocupa novos lugares. Há que desbastar, queimar árvores para ocupar terras, cortá-las para edificar casas e barcos ou, em seus vazios, semear grãos, drenar pântanos para não se afogar nas épocas de grandes chuvas.
Passados milênios, a espécie humana, espalhada sobre todos os continentes, incansavelmente, com mais determinação e eficiência, com meios eficazes e equipamentos destruidores, aciona os mecanismos para sua sobrevivência e reprodução. Da África para a Ásia, para a Europa, para as Américas, a espécie humana passou dos milhões aos bilhões. A face do planeta mudou e sua configuração continua se modificando em ritmo acelerado. Os vilarejos, os povoados pré-históricos, com arte, música, literatura épica, dramática e trágica transformaram-se em cidades, metrópoles e megalópoles.

Brasília

A ocupação dos espaços, ao longo do tempo, está fortemente relacionada ao crescimento da população humana e sua capacidade de adaptação aos diferentes climas e conformações geográficas e geológicas. As formas de ocupação, os critérios e as finalidades podem variar em intensidade e extensão. Os efeitos primários e imediatos, embora semelhantes em qualquer tipo de ocupação, segundo as regiões, também dependem da intensidade e da extensão, mas todos refletem sinais de destruição, de desfiguração, de mudança da fisionomia e da geografia. Mudanças essas agravadas com a expulsão ou eliminação de formas de vida anteriormente existentes nesses locais ocupados.
A área delimitada para a construção de Brasília, em 1957, de 5.822 km2 (582.220ha), abrigava 12.700 habitantes, correspondendo, em média, 45 hectares a cada morador. A vegetação do Cerrado, as nascentes e os cursos de água, as aves e os animais ocupavam essa imensidão do Planalto Central há milênios, obedecendo aos ciclos de reprodução e assegurando a interdependência natural.
A construção da cidade de Brasília, isto é, a substituição de árvores por edifícios, dos cursos d’água por vias asfaltadas, dos milhares de seres vivos que compunham a biodiversidade da região por quatro milhões da espécie humana transformou o espaço geográfico em 50 anos. O espaço físico por habitante foi reduzido de 45 hectares para um quinto de hectare (220m2).
A grandeza e a beleza da obra urbana, a estética arquitetônica, a generosidade de seus monumentos, a amplidão do céu que a recobre expressam o estilo moderno de adaptação da espécie humana ao novo ambiente escolhido e contribui para o desfrute em alto grau da felicidade de viver. Mas esta imposição do estilo de vida e de transformação do ambiente não foi sem contrapartidas.
O que perderam a espécie humana e todos os demais seres vivos que habitavam esse espaço há pouco mais de 50 anos? Os 3.000 exemplares de aves e insetos classificados, em 1957, pelos exploradores da área que se denominaria Distrito Federal, a que número foram reduzidos?

Biodiversidade

A biodiversidade foi diminuída, espécies definitivamente eliminadas ou confinadas em áreas inseguras de refúgio. Por isso, nem todas sobreviveram. A região ficou mais pobre em vidas pela redução das espécies que praticavam aqui a interdependência e o intercâmbio necessários à multiplicação da vida. Milhares de árvores que vicejavam sobre milhões de m2 de superfície cessaram de produzir oxigênio necessário à respiração. Foram substituídas por mais de um milhão de motores que emitem gases poluentes que se aninham nos pulmões de quatro milhões de pessoas. Nem sempre há que se orgulhar dos feitos da inteligência humana.
Estudiosos de diversos ramos da ciência, biólogos, geógrafos, antropólogos, sociólogos têm se debruçado sobre os efeitos da construção de Brasília e do povoamento do Distrito Federal com relação às mudanças de clima resultantes das transformações impostas ao bioma Cerrado.

Ocupação devastadora

Aceitando cifras conservadoras da ocupação do espaço do DF, estima-se que, em cinquenta anos, metade da área verde foi destruída com assentamentos e tudo o que eles requerem para atender às necessidades espontâneas e estimuladas da população. O diálogo vital e, por vezes, dramático entre os seres vivos e a natureza reflete os efeitos das contínuas mudanças e variações climáticas sobre sua capacidade de adaptação e sobrevivência.
O esgotamento do solo, isto é, a eliminação dos elementos de fertilidade pela maneira de ocupação ou de práticas de produção de alimentos induz à incorporação de agentes químicos que esterilizam o ambiente. Novas formas de vida, novas espécies alienígenas se reproduzem nesse ambiente modificado. A mão do homem impõe métodos de combate a essas novas formas de vida tratando-as como pragas que ameaçam a produção de alimentos e a sobrevivência da população. Cria-se, assim, um ciclo de produção e combate a organismos vivos em consequência do desequilíbrio provocado. Trava-se uma guerra permanente contra um inimigo fabricado.
As mudanças constantes no mundo natural, segundo as estações do ano, o comportamento das chuvas e dos ventos, a ação vibrante do sol e a sombra escura da noite recebem uma dose perigosa da ação humana. A mistura de todos os elementos que atuam sobre os seres vivos afeta sua saudável sobrevivência e compromete sua reprodução. Com sagaz ironia, diz-se que há mais pessoas frequentando farmácias do que restaurantes.
Em que foram transformados os 45 hectares per capita que respeitavam os equilibrados limites de reprodução da biodiversidade original e davam à pequena população o conforto da natureza não contaminada? Ao “homo cerratensis” foi imposta, pelas políticas econômicas autoritárias e despóticas, a severa e irresistível adaptação aos preceitos tecnológicos do crescimento a qualquer custo em nome do discutível conforto igualitário. O novo habitante foi desorientado a renunciar ao fluxo das águas cristalinas em favor do sonho de um lago poluído e do aterramento de centenas de nascentes. Foi induzido a desprezar milhares ou milhões de árvores, arbustos e flores do cerrado e sua imensa população de aves, insetos e animais em troca de alguns parques malconservados e inacessíveis aos milhões de novos habitantes. O Distrito Federal conta com 68 parques e 21 unidades de conservação ambiental, mas  não há neles equipamentos adequados de lazer para a comunidade. Nem todas essas áreas possuem registros fundiários e, por isso, são invadidas por mercadores de terra.
Os povoadores de Brasília foram forçados a trocar as agradáveis caminhadas sob a sombra de angicos e jatobás, aroeiras e jacarandás por enervantes engarrafamentos no trânsito desumano, iludidos pelo conforto de habitar durante algumas horas do dia uma caixa de lata ouvindo o som de gritos musicados.
Implantou-se e consolidou-se a desigualdade geográfica e ambiental, e a desigualdade na interdependência dos seres vivos com atitudes e comportamentos irracionais da espécie humana. Faltou espaço e alimento para milhares de espécies. O espaço foi modificado e o alimento natural das espécies originais substituído por cultivos protegidos por inseticidas e venenos que dizimam vidas e afetam a saúde humana.

Compensações

Diante dessa realidade, cria-se a lei das compensações. Monoculturas da produção agrícola e monoculturas da construção civil se comprometem “pro forma”, em contrato, a compensar, isto é, a neutralizar a destruição ambiental, o desaparecimento de aves e insetos com ações posteriores nem sempre cumpridas. O controle sobre a efetiva compensação, além de difícil, nem sempre é feito por deficiência institucional, o que significa que não é levado a sério pelos grandes ou pequenos agricultores e empresários da construção civil.
Restringindo estes comentários ao Distrito Federal e áreas adjacentes que compõem a região metropolitana de Brasília, alguns dados são impressionantes, mas aos quais pouca atenção é dada. Segundo estudos da Comissão do Senado brasileiro para redução das emissões de CO2, por automóveis, os cálculos simulados de emissão de poluentes com combustível fóssil de um carro/ano apontam para um volume de 120g por quilômetro rodado. Para compensar os efeitos unicamente dessa fonte de poluição do ar e suas consequências na saúde humana e dos demais seres vivos pelo uso de um automóvel durante um ano, (450km) seria necessário o plantio de oito árvores. Elas teriam a função de, pela fotossíntese, transformar o dióxido de carbono em oxigênio. Essa ação compensatória não parece estar na mira dos proprietários de automóveis e de companhias de aviação. Tais atividades são cobradas do Estado como se o cidadão não tivesse a responsabilidade sobre seus atos predatórios contra a natureza.
Utilizando os índices de queima de combustível fóssil, acima mencionados (120g de emissão por km ou 1,2 kg por 10 km rodados), o milhão de automóveis que circula diariamente no DF percorre uma distância de 10 milhões de km/dia e produzem, no mesmo período, 1,2 mil toneladas de gás carbônico (1,2 milhão de kg/dia). Feitas as devidas contas, a compensação importaria no plantio de 7, 3 milhões de árvores. Infelizmente, o que se observa no DF é exatamente o contrário: a devastação sistemática do cerrado.

Empobrecimento ambiental

A devastação de mais da metade da área do DF significa a perda da capacidade de produção de oxigênio e de limpeza do ar e das águas. O DF empobreceu ambientalmente nos últimos 50 anos e continua sua sina de empobrecimento ao retirar todos os dias esse poder da natureza. A prática generalizada na ocupação dos espaços do cerrado, visivelmente observada, constitui de limpeza prévia da área, desmatamento, terraplanagem, queima sistemática, introdução de bovinos, construção de casa e currais ou pocilgas. Nenhum estudo, nenhuma informação sobre o bioma, nenhum indício de previsão e prevenção contra os efeitos do período seco e das chuvas torrenciais dos meses úmidos, nenhum cuidado com as nascentes, nenhum respeito pela vegetação protetora do solo ou pelas aves, insetos e animais que compõem a biodiversidade da qual ele faz parte. O novo habitante começa por empobrecer o espaço em que pretende viver e ser feliz. Impõe, por ignorância, sua vontade de viver sem ouvir a natureza e os seres vivos com quem poderia conviver. O custo ambiental dessa devastação para a vida do cerrado e o habitante humano é incalculavelmente superior aos supostos benefícios imediatos. “O estudo da natureza é o alfabeto da agricultura e nenhuma palavra dessa grande vocação pode ser escrita sem ele” (Anna Botsford Comstock, The Teaching of Nature Study, 1911).
Uma árvore absorve 2kg de gás carbônico por hora e produz, no mesmo tempo, 2kg de oxigênio. Um hectare de floresta pode reter, num dia, 32 toneladas de poeira tóxica produzida por automóveis e construtoras e devolvê-la em oxigenação limpa. Os 291.110 hectares subtraídos de sua função, no DF, empobreceram o ambiente da capital federal em 9,3 milhões de toneladas de oxigênio retirando a mesma quantidade de CO2. Uma perda irreparável.
A mesma perda se constata na diminuição dos volumes de água em consequência do desmatamento e da urbanização intensa para atender ao fluxo de populações imigrantes desrespeitando a capacidade de suporte dos espaços físicos. Com menos vegetação, os períodos chuvosos, com precipitações intensas e abundantes, causam erosão do solo e assoreiam os rios. Retirou-se do ambiente a capacidade de captar e reter as águas da chuva para a recarga dos aquíferos subterrâneos, Nem se desenvolveu a compreensão da importância da água que inspirasse a implantação de sistemas de sua captação e retenção no meio rural e nas cidades.
O ritmo de ocupação dos espaços no DF indica que é simplesmente impossível executar os compromissos de compensação para neutralizar os desastres praticados no ambiente. Não há mais espaço para o plantio de árvores a não ser que se mude radicalmente a prática de devastação da natureza para assentar a população urbana crescente.
Rachel Carson (1907 - 64), propulsora do movimento ambientalista moderno, adverte: “O mais alarmante de todos os assaltos do homem sobre o ambiente é a contaminação do ar, terra, rios e mar com materiais perigosos e até letais. Essa poluição é em sua maior parte irrecuperável; a cadeia de males que ela inicia não somente no mundo que deve sustentar a vida, mas nos tecidos vivos, é em sua maior parte irreversível” (Silent Spring, 1962). E Albert Schweitzer, nos confins do Gabão, na década de 1960, sobreavisou o mundo: “O homem perdeu a capacidade de prever e prevenir. Vai acabar destruindo a terra”.

Desmatamento e violência

A origem da violência humana contra a própria espécie nas cidades e entre países, convenço-me mais e mais com as evidências, tem sua origem no desmatamento, na derrubada de árvores, nos maus tratos à água, no desprezo aos insetos e animais. A faca, a foice, o machado, a motosserra, o revólver, a metralhadora, o canhão, as bombas assassinas são parentes próximos. Quem se acostumou a derrubar florestas e a escravizar animais fez dessa valentia um princípio de dominação que afronta a natureza e subjuga a própria espécie humana. Esse espírito de conquista se tornou uma epidemia nas relações sociais, políticas e econômicas. Esse princípio vem camuflado por palavras determinantes: coragem, competitividade, cooperação, realização pessoal, liderança, poder. O homem se dá o poder de derrubar uma pessoa, uma instituição, um governo com a mesma convicção que pôde abater árvores gigantescas e centenárias.
Estudar a natureza, ouvir as árvores, compreender a vida real de todos os seres, perceber que a espécie humana é parte integrante de um universo de interdependências é a melhor forma de controlar os ímpetos da agressividade e da violência para sobreviver no planeta que acolhe a todos.

Eugênio Giovenardi
23.5.2013

terça-feira, 14 de maio de 2013

INTERDEPENDÊNCIA DOS SERES VIVOS



A imprensa mundial, por todos os meios de comunicação, divulga a extraordinária descoberta da FAO confirmando o que a humanidade e todas as demais formas de vida praticam há milhões de anos: a rigorosa interdependência de todos os seres vivos. Para sobreviver, se reproduzir e fazer parte da grandiosidade do universo, submetidos às leis biológicas, genéticas e físicas da natureza, os seres vivos dependem uns dos outros. A matéria viva de uns alimenta a matéria viva de outros complementada com a matéria inanimada dos minerais.
O intercâmbio alimentar dos seres vivos, independentemente de seu tamanho, espécie ou categoria, se faz de diversas formas de modo a assegurar a sobrevivência e a reprodução equilibrada da extensa biodiversidade existente no ar, na terra e na água.
O trabalho incessante da sobrevivência e da reprodução das espécies não se faz sem uma conhecida e contrastante dose de crueldade inerente aos seres vivos e orquestrada pela natureza das coisas.
Essa dose de crueldade é uma expressão necessária do código das leis naturais para garantir a vida no planeta. A aranha, fiadora incansável de sua teia, espera com paciência sádica, a morte da mosca que se enredou desprevenida. As térmitas se colam na língua do tamanduá sem perceber a escuridão do túnel. O leopardo espreita de longe e marca o filhote do cervo que se atrasa do rebanho, lhe dá o prazer da caça e da carne tenra. O ser humano, consciente de seus atos, domestica aves, ovelhas, cabras, vacas e porcos, estabelece todos os passos para multiplicá-los, tem com eles cuidados maternais e farmacêuticos, assegura-lhes comida farta e não titubeia matá-los e devorá-los. O verde e viçoso pé de alface é decepado pelo jardineiro, ou bicado pelos pássaros, ou levado pelas formigas cortadeiras.
E, assim, vivem os tubarões e as baleias engolindo milhares de sardinhas desatentas. E as ostras, e as tartarugas, e os caracóis, e os mexilhões, e as minhocas têm o mesmo destino final depois de desfrutarem de suas próprias iguarias.
Finalmente, a FAO constatou que, durante séculos, a espécie humana se alimenta de gafanhotos, lagartas, corós, grilos, caranguejos, aranhas, formigas, cobras, gatos e ratos.
Em nossos dias, em que a culinária francesa disputa com a japonesa, a chinesa e a peruana a preferência dos gourmets, um terço da espécie humana (2 bilhões) se farta de alimentos das florestas que a fúria do progresso e do crescimento ainda não destruiu.
Um substancioso menu de proteínas à base de gafanhotos, lagartas e corós, segundo a FAO, pode ser a solução para combater a fome da espécie humana. A receita da agência internacional foi ouvida e lida com risos, nojo, compaixão pelos pobres e, ao mesmo tempo, como oportunidade de negócios lucrativos. Lagarta ao molho pardo, aranhas fritas, escorpiões no espeto serão as novidades gastronômicas para os novos milionários do jetset internacional.
O Brasil ocupa o quinto lugar em número de espécies de répteis (468). Estima-se que nossas florestas tropicais tenham mais de 70.000 espécies de insetos conhecidas. Mais de 3.150 espécies de borboletas. A fome já não é preocupação no Brasil. A condição primeira é salvar as florestas, as nascentes de água, os rios e os mares para o equilíbrio ecológico e ambiental. Os seres vivos do planeta agradecem.
Dos mortos se ocupam os vermes nossos últimos hóspedes.

sábado, 11 de maio de 2013

PARÁBOLA DA FOME



O discípulo se aproximou do filosofo que lia um pequeno livro sentado à sombra de um angico. Buscava ajuda do mestre para compreender o mundo que o rodeava. Via, ao mesmo tempo, num grande tabuleiro, a utopia da igualdade, a escravidão da desigualdade, a liberdade das diferenças, as distintas respostas da filosofia e a renhida luta pelo poder no país em que vivia.
– Por que esta fome insaciável, essa vontade irreprimida de conquistar o poder? – perguntou o discípulo.
O filosofo fechou o livro, pôs o dedo indicador direito entre as páginas, passou a mão direita sobre os raros cabelos já encanecidos.
– A fome, caro jovem, é o primeiro, o mais importante e permanente artifício do organismo para se manter vivo e se reproduzir. Se este truque natural falhar, toda a esperança de vida fracassa. Vamos considerar, neste país em que vivemos, três grupos de cidadãos que desejam sobreviver e se reproduzir. Os famintos, os que têm maior dificuldade de encontrar o alimento por falta de meios para adquiri-lo, premidos pela fome, se lançam sobre o alimento onde quer que esteja. Privados dessa oportunidade, durante muito tempo, percebem que, comendo mais, assemelham-se aos que sempre se alimentaram. Passar da privação permanente para o consumo garantido, não só sua reprodução e sobrevivência são facilitadas como asseguram a continuidade das atividades dos que produzem alimentos. Os produtores de alimentos precisam de consumidores para se manter na atividade. No segundo grupo estão os que, há muito, não são famintos. Acostumaram-se a escolher sua comida, seus temperos, seus pratos favoritos. Preparam-nos em casa. Encomendam-nos ou vão a restaurantes. Depois da comida, depois da fome saciada, garantida a sobrevivência e controlada a reprodução, buscam centenas de outros bens de conforto. Dessa forma, fazem rodar e aperfeiçoar a produção de novos bens. O terceiro grupo, em menor quantidade de pessoas, é o que acumulou, durante séculos, os meios de produzir alimentos e bens. Para que esse grupo subsista na organização da produção é preciso que os famintos e os saciados assegurem o consumo de todo tipo de bens necessários e supérfluos.
– Mas, mestre, nada vi que se explique a fome de poder.
– Na organização política, suspirou o filosofo, os artifícios da alma do ser humano são semelhantes aos de seu estômago. Os famintos, os que nunca estiveram perto do poder, se batem para sobreviver e se reproduzir. Lançam-se sobre qualquer pedaço de oportunidade que tenha sabor de poder sem medo da obesidade ética. A fome de quem nunca teve poder é mais aguda e impulsiva. Quase nada os impede de avançar sobre ele. Vão demolindo todas as cercas e barreiras para ocupar os lugares dos que se saciaram do poder e sentem por ele certo enjoo e indiferença. Os saciados preferem as sobremesas do poder. Os famintos, provando o sabor delicioso do poder, aliam-se aos grandes maîtres que detêm a receita do poder. O segredo dos novos donos do poder que precisam dos que sempre estiveram com a mão no comando é manter-se faminto. O poder não sacia a fome. O poder alimenta a utopia da igualdade, manipula com estatísticas a escravidão das desigualdades, controla a liberdade das diferenças espalhando favores a mancheias.
10.5.2013

quarta-feira, 8 de maio de 2013

ÁGUAS DE ABRIL




O mês de abril, 2013, contribuiu com excelentes chuvas nos primeiros 15 dias, na microbacia do Ribeirão das Lajes, onde se localiza o Sítio das Neves. Entre os dias 5 e 15, se registraram os maiores volumes de chuva 540,3mm. As chuvas cessaram totalmente a partir do dia 19. O volume total de chuvas do mês de abril foi de 554,5mm, com média diária de 18,49mm. O volume total foi de 388,1 milhões de litros no mês (388,1 mil m3), com média diária de 12,9 milhões de litros (12,9 mil m3).

Comparação dos volumes de precipitação dos meses de novembro, dezembro (2012), janeiro, fevereiro, março e abril de 2013.*

NOVEMBRO
DEZEMBRO
JANEIRO
FEVEREIRO
MARÇO
ABRIL
TOTAL
228,3mm
235,1mm
457,8mm
132,7mm
401,9mm
554,5mm
2005.3
7,61mm
7,83mm
15,2mm
4,7mm
12,9mm
18.48mm
11.12mm
* Código da Estação Hidrométrica do Sítio das Neves no site da ANA: 01648220.

Na segunda linha, leem-se as médias diárias de cada mês e a média diária dos seis meses. A média mensal dos seis meses foi de 334.2mm.
Note-se que o volume de águas do mês de abril (2013) é o maior de todos os meses, embora tenha chovido durante apenas 15 dias.
Com as abundantes chuvas de abril, as nascentes apresentaram um volume de água superior ao do ano passado no mesmo mês.
Área do Sítio das Neves: 700.000 m2, base dos cálculos apresentados acima.

1.5.2013

terça-feira, 7 de maio de 2013

ESTAMOS SENDO



Estamos sendo reduzidos à expressão pequena e desastrosa por um grupo político de aventureiros que tomou o poder.
Estamos sendo humilhados pela superficialidade e pela arrogância de mentes desonestas e hipócritas.
Estamos sendo invadidos e amordaçados por um patronato ultrapassado que pensa estar governando uma casa de idiotas, apalermados, aloprados e mentecaptos.
Sinto vergonha e asco de ouvi-los falar, discursar e propor avanços na direção do retrocesso cultural, intelectual e moral.
Sinto náuseas ao ouvi-los adaptar a realidade de nosso atraso ao mirabolante sonho de um paraíso de hebetizados felizes.

3.5.2013

sábado, 4 de maio de 2013

PARQUE DA CIDADE DE BRASÍLIA


 


(Foto: Parque da Cidade - Brasília)

O Correio Braziliense (2.5.2013) mostrou a saudável diversão dos brasilienses, no ensolarado Dia do Trabalhador, no Parque da Cidade. Raras são as cidades no mundo que dispõem de um parque de tamanha dimensão – 420 hectares.
A desvantagem do Parque da Cidade de Brasília comparado com o Jardim de Luxemburgo, 25 hectares, a maior área verde de Paris, é o trânsito de automóveis com um rasto de gases poluentes. Parque é uma área de repouso, de relaxamento físico e mental, de respiração saudável à sombra de árvores e à beira de águas puras.
O mês de maio coincide com o término do período chuvoso. Nesse mês, as árvores e as gramíneas se mantêm verdes, exuberantes, graças à umidade remanescente das águas abundantes que irrigaram a área. É importante notar o benefício ecológico e ambiental dessa extensa área preservada na melhoria da qualidade do ar que o brasiliense respira. É uma pena que ele tenha que conviver com a intensa emissão de dióxido de carbono proveniente da constante circulação de automóveis.
Durante os quatro meses de chuva de 2013, enorme volume de água caiu sobre o Parque. Tão imenso que, por falta de informação, parece mentira matemática. A precipitação verificada nesses quatro meses foi de pouco mais de 1.540mm, isto é, 1.540 litros por metro quadrado. Aonde foi parar toda essa água? Há mais de 15 anos discuto com amigos, jornalistas, biólogos e geógrafos a necessidade imperiosa de captar e reter, em galerias subterrâneas, a generosa água das chuvas para ser utilizada durante os meses de estiagem. A extinta civilização Zenu da Colômbia retinha, por meio de canais, parte das cheias do Rio Madalena
Pratico isso há mais de 15 anos, em meu sítio (APP) de 700.000 m2 (70ha), com um sistema de pequenas barragens de captação e retenção da água pluvial. Graças à massa intensa de vegetação e arborização nativa que se formou ao longo de quase quarenta anos de proteção ambiental, as águas retidas se infiltram no solo e garantem a recarga dos aquíferos subterrâneos.
O Parque da Cidade recebeu, nesses quatro meses, 6,3 bilhões de litros de água (6,3 milhões de m3). A instalação de um sistema inteligente de galerias subterrâneas, em vários pontos do Parque, aproveitando as vias asfaltadas que impedem a infiltração, recolheria grande parte desse volume de água que se perde pelas sarjetas e inunda tesourinhas e garagens. A exemplo de Tóquio, uma rede de pequenas bombas hidráulicas instaladas nas galerias irrigaria o Parque, abasteceria o lago interno e suavizaria a secura do ar.
Temos tecnologia e especialistas para essa obra. A mesma tecnologia usada para construir arenas e levantar viadutos serve para abrir galerias subterrâneas de captação e retenção de águas pluviais, talvez com menor custo e maior benefício para os brasilienses.