quarta-feira, 23 de abril de 2008

BRASÍLIA TE AMO

A avalanche de nababos e marajás, novos donos do poder deslumbrados, ladrões do erário, corruptos e corruptores, suscitou corajosos defensores de Brasília. Otimistas, demonstram diariamente a grandeza de seu povo, a beleza de sua arquitetura, a salada de comidas e bebidas com todos os sabores do país, o sotaque de todos os acentos regionais.
Jogam na cara da opinião externa, forjada no diz-que-diz-que e na ignorância, que foi o resto do país que mandou os corruptos para cá.
Nós que viemos ao Planalto Central há várias décadas e os que nasceram aqui somos privilegiados por fazer parte do sonho de JK.
Brasília é esta beleza arquitetônica debaixo de um céu imenso, com o mais belo pôr do sol do Brasil. Tudo aqui é verde na época da chuva e seco no período de estiagem.
Essas largas e longas avenidas recebem de margens abertas tantos carros quantos os bem-pagos habitantes de Brasília queiram nelas despejar. Logo chegaremos ao milhão de automóveis e Brasília continuará linda. Não importa que os engarrafamentos diários aconteçam em todas as vias do DF. É apenas um sinal que a cidade está se adaptando ao império do transporte individual.
O brasiliense está sendo preparado, no Plano Piloto e nas cidades satélites, a amar sua cidade. Colunistas de jornais, de rádio e TV nos ensinam que é preciso desenvolver o otimismo. Esse otimismo que vê no câncer do seio da mãe um sinal do amor de Deus e uma prova para missões mais sublimes.
O que amamos, afinal, nessa quarentona Brasília? Os monumentos do centenário Niemeyer? Quero lembrar que não há registro de que o mais famoso arquiteto brasileiro tenha plantado uma só árvore, em Brasília, em substituição às que foram derrubadas para levantar a catedral, o estranho museu-sarcófago e a biblioteca sem livros.
Amamos o traçado em cruz de Lúcio Costa? As largas avenidas? Os palácios do poder? As árvores retorcidas? As queimadas que os habitantes do Distrito Federal provocam, a cada ano, por sua imbecilidade, ignorância e amor a Brasília?
Brasília fascina por mais que isso. É o imenso silêncio que paira sobre ela que inspira afeto, lhe dá grandeza e generosidade.
Brasília atrai pelo poder que vende enganos, ilusões e mentiras.
Brasília encanta porque se dirige ao Ocidente, onde morre o Sol, símbolo de nossa trajetória, minha e de toda a humanidade.
Não vamos para o Oriente. Vamos para o Ocidente, para o que vem mais adiante.
Brasília é apaixonante porque nos aponta o absoluto terreno. Vamos daqui para a eternidade do universo.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

BRASÍLIA

Brasília é a perfeita ilusão. A ilusão do poder, da autoridade, da lei, da justiça. Até a corrupção de políticos, a mentira, a negociata, o roubo do erário, a compra de votos de congressistas, os conluios, as alianças partidárias parecem prestidigitação de ilusionista para uma platéia embasbacada.
E a ilusão é sua força. Tudo aqui acontece e tudo se esvai. É bela aos domingos, quando deixada só em seu silêncio original, no quadrilátero do Planalto Central, berço das águas que daqui tomam todas as direções. Brasília é o símbolo do poder que irriga os quatro pontos cardeais da política. O poder, como Brasília, é uma ilusão real ou uma realidade ilusória. Fogo-fátuo que se dissolve e se esfuma. Brasília é a sede do poder invisível refletido nos atos oficiais, em leis que pouco se cumprem, em impostos coletados aos cidadãos incautos ou sonegados pelos espertos.
Trinta e quatro anos de convivência neste quadrilátero mostraram-me a intensidade dos achaques desta Brasília ilusória que venerou presidentes, tolerou ditadores, afagou demagogos, expulsou e inocentou corruptos, decepcionou sonhadores, expandiu o ventre para amamentar todos os filhos da ilusão, apinhados em cidades satélites.
Brasília, brotada de devaneios arquitetônicos, tornou-se corte de apaniguados, súcubos e íncubos do poder. Camufla-se de faz-de-conta farsante, de circo repleto de malabaristas e acrobatas, palhaços e domadores de feras apáticas, entupidas de favores e privilégios. As salas de cinema longe, escondidas nos confins, os escassos teatros no coração da cidade, distantes do povo, alimentam a ilusão cultural.
Brasília é quadrada. É um sonho quadrado. É uma prisão de amplos espaços. Mesmo suas formas retangulares conservam o ranço do quadrado. Possui as quatro esquinas geográficas que pedantes alienígenas ainda hoje procuram e teimam em não achá-las. Somos prisioneiros imaginários deste quadrilátero, artificialmente inteligente se isto é possível. Os serviços para o cidadão arrumam-se cuidadosamente em gavetas de escrivaninhas de estilo gerencial em que não se misturam os papéis de banco com os do hotel, as duplicatas do comércio com os boletos do condomínio residencial. Os jornais, como cartas da prisão, nos enquadram com notícias burocráticas, escândalos da semana, desmentidos oficiais.
A liberdade arquitetônica dos monumentos e das avenidas é enganadora. Para encontrá-la há que se enfrentar o labirinto que a própria Ariadne nele se perderia. Pedras, cimento, tijolos e ferro sustentam este delírio monumental que sacrifica os mananciais humildes e destrói a singela paisagem do Planalto de horizontes abertos. Estrangulado pela irracionalidade do transporte individual, o brasiliense é prisioneiro do automóvel, do estacionamento, dos viadutos, das pontes. A concessão da passagem do pedestre é comovedora e faz parte da ilusão da cidadania legal. A faixa do pedestre é um espaço democrático, mas o transeunte teme pela fragilidade de seus passos. O incontável número de placas de sinalização do trânsito e as centenas de máquinas eletrônicas instaladas para lembrar a vida e a mansidão do tempo registram a desobediência dos condutores impacientes.
Brasília é a doce e terna realidade do sonho de Dom Bosco. É a ficção real de se viver perpetuamente num cárcere de delírios e devaneios. O brasiliense é hóspede privilegiado de uma casa no ar. Contudo, sou dos que amam o espaço artificial desta cidade que nos aponta com sua magia os largos horizontes do amanhã.

Eugênio Giovenardi, Sociólogo e escritor
eugeniogiovenardi@yahoo.com.br

BRASÍLIA SUL-NORTE

Os que vieram a Brasília para amá-la, entristecem-se com o caos em que os adoradores do automóvel a transformaram.
Por uma falha de origem, o caos do trânsito continuará sem perspectivas de acabar. Os que pensaram e definiram o desenho da cidade vinham do Sul. A circulação das pessoas e o movimento da urbe se concretizaram de Sul a Norte e de Norte a Sul. A direção Leste-Oeste ficou presa entre os eixos de todas as avenidas lineares, com a exceção da Esplanada dos Ministérios, que é uma espécie de cul-de-sac onde se refugia o poder.
O transporte público, inadequado e ineficiente obedece essa mesma direção, o que estimula o uso de carros particulares, entupindo os acessos às quadras residenciais.
A filosofia arquitetônica da arte pela arte produziu uma estética sem ética. Preencheram-se os espaços com monumentos belos, alguns e discutíveis, outros. As avenidas passam por eles, extensas, largas. O cidadão os vê, os saúda e deles se despede. Não há um banco para sentar-se e admirá-los.
A cidade foi planejada para nela entrar e dela sair. O cidadão não está convidado a ficar nela, senti-la, amá-la e transar com ela.
Brasília parece ter sido concebida, desenhada, concretizada por uma filosofia arquitetônica infantil de ciranda-cirandinha. Para chegar da Avenida das Nações ao Cine Brasília ou aos escritórios da CEB, nas quadras 900’s é preciso rodar a cidade ou perder-se em dezenas de retornos.
É essa concepção de engenharia urbana que produz o caos do trânsito praticamente insolúvel de Brasília.
Todas as medidas propostas e executadas até o momento tendem a tornar o caos ainda mais caótico. As passarelas de pedestres sob os eixos têm o claro objetivo de favorecer a velocidade dos carros na direção Sul-Norte, Norte-Sul. A proteção ao pedestre é meramente incidental, se não depreciadora do cidadão.
Um arquiteto conhecido, falando do caos do trânsito brasiliense, perguntou-me o que um sociólogo proporia para facilitar a circulação do pedestre que não quer usar carro particular para deslocar-se na direção Leste-Oeste-Leste.
- Pensar uma Brasília Leste-Oeste, com transporte público adequado e eficiente, respondi. Mas para isso é preciso substituir os atuais engenheiros e arquitetos contaminados pela expansão do tráfego de automóveis particulares, por engenheiros e arquitetos que pensem com alma de pedestre e de usuários de transporte público.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

MEU CORAÇÃO ESTÁ EM FALUJA

Lembrando os horrores
de nosso tempo sombrio
facilmente esquecidos
.

Meu coração está em Faluja, em Ramallah, em Bagdá, no Afeganistão, na Argélia, no Vietnã, no Sudão, na favela da Rocinha, em todas as favelas do Rio, de São Paulo, Salvador, Recife e Porto Alegre.
Meu coração está com as mulheres brasileiras de todas as favelas que não têm uma cama decente para dormir e amar.
Meu coração está com as crianças brasileiras de todas as favelas que nunca tiveram um berço limpo para dormir, chorar e mamar.
Meu coração está com milhares de crianças de rua que comem comida fria, cheiram cola, roubam e se corrompem antes de começar a viver.
Meu coração está com os adolescentes de todas as favelas do Brasil, jogados no inferno dos CAJES, humilhados, ofendidos, torturados ou chacinados nas ruas.
Meu coração está com os jovens de todas as favelas que aprendem na escola do crime, da droga e da prostituição a tormentosa lição do ódio, da vingança e da transgressão.
Meu coração está com as mulheres, os homens, as crianças de todas as favelas do Brasil, dizimados por epidemias, mal-atendidos nos Centros de Saúde, instalados nos corredores e enfermarias sujas dos hospitais, muitas vezes assassinados pela burocracia e ganância da indústria hospitalar.
Meu coração está com as crianças das humildes escolas de bairros, de pequenas cidades do interior do Brasil, molestadas pelo calor, pela pouca claridade da sala, pela falta de merenda escolar, humilhadas a repetirem sucessivamente a mesma série e deixarem a escola sem concluírem o curso primário.
Meu coração está com as professoras desconhecidas que ensinam as letras aos meninos e meninas do Brasil em troca de salários de fome.
Meu coração está com todos os trabalhadores e trabalhadoras que enfrentam um trânsito caótico e indisciplinado, apertados como sardinhas em lata, para construírem uma pátria grande em troca de um tugúrio.
Meu coração está com os idosos que, ridicularizados pelos doutores da Previdência, enfrentam corajosamente os males da idade e se submetem aos rigores da carestia com salários vilipendiados.
Meu coração está com os desabrigados brasileiros de todos os recantos do País devastados pelo desmatamento e arrasados pelas águas inocentes.
Meu coração está com todos os brasileiros vítimas do preconceito, da indiferença, do esquecimento, da hipocrisia dos governos, da ganância dos poderosos, do cinismo dos corruptos, da má fé de políticos mercenários, da barbárie do sistema econômico.
Meu coração está com os que defendem de alguma forma seus próprios direitos, mesmo transgredindo as formalidades da lei, que sempre protege os fortes e aprisiona os fracos.
Meu coração está contra aqueles que legislam para consolidar seus privilégios, aumentam descaradamente seus próprios salários e negam o mesmo benefício aos mais pobres.
Meu coração está com todos os moradores das favelas do Brasil que amanhecem com medo da violência e da morte, com o temor de serem despedidos do trabalho, com a incerteza do pão de cada dia.
Meu coração está com os pobres invisíveis que nos rodeiam nos semáforos, nos estacionamentos, nas portas das igrejas, pedindo as sobras do nosso luxo e os centavos de nossas poupanças.
Meu coração está com as empregadas domésticas, escravas da classe A, tão próximas de nossa vida que não lhes conhecemos o barraco, nem as angústias, nem as agruras da família, nem sentimos vergonha de que se levantem às cinco horas da manhã para chegarem a nossa casa quando mal acordamos.
Meu coração está com os desempregados que a fúria financeira do Banco Mundial, do FMI e da globalização pantagruélica desalojou do trabalho, separou dos amigos, semeando desespero em suas famílias.
Meu coração nada mais pode fazer, além de pulsar com todos os corações da histórica Bagdá, da corajosa Faluja, da atônita Ramallah. do valente Vietnã, do misterioso Afeganistão, de todos os intrépidos brasileiros a quem lhes restam as alegrias do carnaval e a loucura esperançosa do futebol.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

ANISTIA INDENIZATÓRIA

Movido pelos princípios da nova ética na política, em voga no Brasil, ofereço à consideração dos leitores meu pedido de anistia indenizatória à semelhança de Jaguar, Ziraldo, Heitor Cony e companhia, ideólogos de esquerda que souberam investir no futuro democrático em que o povo paga todas as contas.
Observação: O texto é apenas uma jocosa ironia.
Autorizo a divulgação

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Senhor Ministro da Justiça,

De tempos em tempos, recebo informações de decisões da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça sobre processos de indenização a cidadãos que tiveram seus direitos políticos lesados e sofreram danos comprováveis durante os anos da ditadura militar.
Achei, por isso, oportuno apresentar meu pedido de indenização por perdas financeiras e danos morais em conseqüência de atos autoritários da junta militar.

Depoimento:

Em 1965, o major Foschiera, sediado em Santo Ângelo (RS), me enviou um telegrama cifrado. Avisava-me da existência de uma ordem de busca e captura contra mim, frade Licenciado em Ciências Sociais, por incentivar a organização de agricultores sem terra. Orientou-me a sair do Rio Grande do Sul e do país. Refugiei-me incontinenti na clandestinidade, nela permanecendo durante mais de dois anos, nos estados de São Paulo, Goiás e Mato Grosso, realizando humildes tarefas para sobreviver.
Em 1967, graças ao empenho de amigos, recebi bolsa do Governo francês. Deixei o país e me exilei na França. Naqueles anos, não tive alternativa.. A história pátria demonstrou com evidências trágicas o destino dos que caíram nas mãos do DÓI-CODI.
Em 1968, depois de longa depressão, semanas de reflexão, inúmeras consultas a teólogos, sob forte pressão psicológica e meses de terrível angústia, abandonei a Igreja e o sacerdócio. Perdi a fé, a religião e refugiei-me no ateísmo. Amargando o exílio forçado, longe da família, dos amigos, do trabalho profissional, em país estrangeiro, perdi as referências de amigos e as oportunidades de trabalho.
Não fosse a arbitrária ordem militar de busca e apreensão, teria continuado na Ordem franciscana. Minha carreira na hierarquia teria sido semelhante à de companheiros à época. Anunciava-se como certa minha eleição para definidor do Conselho Provincial, com os votos de confrades que me respeitavam e depositavam em mim a confiança de levar a província dos religiosos do Sul aos píncaros do prestígio eclesiástico, integrando-a ao sublime ministério pastoral de atendimento preferencial aos pobres e marginalizados da sociedade.
Roma, na década de 80, ofereceu bispados à Ordem. Como os confrades Frei Salvador, Frei Orlando Pinotti, meu primo Frei Clodoveu, teria eu certamente sido sagrado bispo, residido confortavelmente num palácio episcopal e representado a Igreja Católica em cerimônias públicas, ao lado de governadores e presidentes.
Meu prestígio entre os confrades, meu discurso corajoso, minha ação abnegada teria me valido o cardinalato, aos 70 anos, e poderia ter disputado, como representante do Brasil e da América Latina, o trono de São Pedro, nas eleições papais do Vaticano.
Em vez disso, submeti-me a fazer pacotes numa gráfica de Paris. Não me furtei a enfrentar a vida como um homem comum, sem pátria, sem família, sem trabalho profissional digno.
Encontrei, mais tarde, uma companheira com quem tive uma filha problemática que por sua vez gerou duas filhas ainda mais problemáticas. O casamento, além das duras obrigações do matrimônio e educação da prole, cortou todas as possibilidades de seguir uma prestigiada carreira hierárquica.
É evidente, nesses fatos, a presença da mão discricionária do regime de exceção, na mudança de rumos de minha vida.
Aos contadores dessa repartição ministerial, é possível computar benefícios subtraídos, salários presumidos, patrimônios imobiliários não acumulados, meios de locomoção, cargos e demais honrarias que acompanham os altos dignitários de uma sociedade religiosa de âmbito internacional. Diante disso, solicito, data venia, ao Ministro da Justiça, através da Comissão de Anistia, haja por bem determinar, no processo de indenização, o pagamento de valor compensatório ao reclamante, não inferior a um milhão de reais, quantia outorgada a outros cidadãos honestos, vítimas do mesmo governo ditatorial.

Eugênio Giovenardi, autor do romance autobiográfico OS FILHOS DO CARDEAL, entre outros.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

GELADEIRAS MODERNAS

AS MEIAS-VERDADES

Nos últimos tempos, estamos sendo submergidos por uma avalanche de informações, resultados de pesquisas, glorificação de índices de crescimento da economia e milagres administrativos sem precedentes “neste país”.
É a técnica de marketing das meias-verdades que acabam por ser tomadas como verdades absolutas. Meias-verdades ditas com convicção e apresentadas como definitivas, em via única. E antes que alguém possa contestá-las, outras afirmações peremptórias seguidas por promessas, projetos e grandes números assumem o valor de fatos consumados. Temos engolido escândalos de mensalões, anões, reeleições, dossiês, cartões corporativos, fazendas de gado, sanguessugas, anacondas como se fossem a normalidade do país.
Os espíritos superiores, iluminados pelo poder, determinam os fatos e as razões que os justificam, nivelando por baixo a capacidade alheia de pensar, compreender, julgar e decidir.
Um exemplo dessa tecnologia de marketing da comunicação superficial e paternalmente otimista veio à luz, hoje.
O ministro das Minas e Energia comunica a preparação de um programa que estimula a troca de 10 milhões de geladeiras antigas por outras mais modernas. Segundo ele, o destino desse produto será a população de baixa renda.
Estarão incluídos nessa população de baixa renda os 11 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa Família. A ilação é lógica. Se recebem dinheiro para comprar alimentos, precisam de geladeira para guardá-los. O Presidente perguntou, irritado e excitado, diante de uma platéia embevecida, por que os pobres não têm direito a comprar geladeira, máquina de lavar e celular.
Nesse tom, o ministro esclareceu que “O objetivo é social, de dar a essa população acesso a geladeiras mais modernas e econômicas, que vão gerar redução na conta de energia”. Deu ao mesmo tempo a receita. Os modelos antigos serão dados como entrada, revendidos depois pelas lojas às metalúrgicas.
Uma comunicação oficial repleta de meias-verdades. As outras meias-verdades não proferidas se escondem na indústria eletrodoméstica, no estímulo ao consumismo obsessivo e na cascata de empréstimos que desembocarão galhardamente no PIB, um dos faunos da economia capitalista.
Justifica o ministro que 27% da energia é gasta pela geladeira antiga e esse custo pesa sobre as sofridas costas da pobreza. A que correspondem os outros 73%? Chuveiros obsoletos, congeladores primitivos, ferros de passar medievais, televisores preto e branco? Por que não trocar toda essa velharia eletrônica por aparelhos modernos? População de baixa renda existe com direito assegurado a se endividar.
O ministro conclui sua comunicação com um deboche:
“Não há nenhuma intenção de que o programa tenha participação nas próximas eleições. Nossa preocupação é principalmente social e também energética.”

OS SEGREDOS DO PRESIDENTE

Recebi de Pedro de Montemor o resultado de sua pesquisa virtual aos computadores da Casa Civil, da PR do Brasil.
Mantenho-me fiel ao texto recebido e compartilho com os estupefatos cidadãos brasileiros diante das despesas lícitas, necessárias e sigilosas de nossos próceres da república.

Meu caro concidadão,
Escrevi uma carta à companheira Dilma, recordando nossos tempos de universidade, os sonhos revolucionários de estatizar todos os bancos e extinguir o imperialismo yanki, bem como os dias sombrios atrás das grades, naquele inesquecível período governado por marechais e generais. Ao final da carta, em tom humorístico, pedi-lhe a chave dos computadores da Casa Civil para olhar com meus olhos imparciais de companheiro de lutas, as supostas despesas sigilosas do Presidente Lula e sua imperturbável esposa. Seriam realmente comprometedoras da segurança nacional, isto é, o povo brasileiro correria perigo de extinção se esses gastos não tivessem sido feitos? Provocaria um levante incontrolável das massas trabalhadoras amontoadas nos bairros pobres e favelas de nossas grandes capitais a revelação dessas despesas? A resposta é sim.
A senhora plenipotenciária Dilma, como a denomino na intimidade epistolar, respondeu-me que qualquer pessoa de bom senso poderia imaginar os gastos de um presidente, sem ter acesso aos segredos dos arquivos eletrônicos.
O conhecimento acumulado nesses quase seis anos de mandato sobre hábitos, desejos e gostos do casal presidencial, ajudou-me a especular sobre as possíveis despesas em alguns setores do consumo diário que poderiam pôr em risco a população brasileira, a fauna e a flora nacional.
Suponhamos que os assessores etílicos da Casa Civil tenham estimado um consumo de whisky de dois litros por semana e cinco garrafas de aguardente mineira da boa. 520 litros de whisky e 1.300 garrafas de cachaça, em cinco anos, a serem esvaziados nos salões de dois palácios presidenciais, na Granja do Torto, em merecidas férias nas residências da Marinha à beira-mar, em casas de investidores que sustentam o crescimento da economia e de amigos fiéis, são uma gota d’água comparados com o que milhões de pinguços ingerem por este Brasil afora.
O álcool, sob qualquer forma, é imprescindível ao funcionamento da máquina estatal. O racionamento de seu consumo paralisaria a administração pública de todos os ministérios. Deixaria o país à deriva e qualquer exército vizinho invadiria nossas fronteiras do Oiapoque ao Chuí. Nada mais estratégico, em termos militares e administrativos que se mantenha sigilo sobre o uso desse armamento explosivo.
Alguém dirá que esqueci dos vinhos. Não me atrevi a entrar virtualmente nos arquivos do Itamaraty, a cujos sommeliers está afeta essa complicada competência, pois em minhas viagens ao exterior, precisarei eventualmente de seus representantes.
Procurei outro item virtual: os ternos Armani do Presidente. Aqui, todo sigilo é pouco. Seria temerário saber com qual deles o Presidente sairá à rua para inaugurar um projeto de obra do PAC. Seus inimigos o identificariam imediatamente e se tornaria alvo fácil de uma bala perdida nos morros do Rio de Janeiro.
Pensei na contratação de espiões qualificados para a Agência Nacional de Inteligência. O espião, os seguranças pessoais e o detetive devem ser irreconhecíveis. A gabardine, o chapéu preto e óculos escuros não passam de disfarces. Os verdadeiros guarda-costas estão em manga de camisa.
Num país onde são pouquíssimas as leis que colam, seria uma gritante injustiça condenar ministros que, no exaustivo cumprimento de seus deveres, num momento de profundo estresse, tivessem se equivocado de cartão para comprar perfumes, bebidas, delicatéssen em free-shop, hotéis cinco estrelas ou restaurantes de luxo.
Não especulei em profundidade os gastos com hotéis de cinco estrelas, restaurantes refinados, boates e motéis, pois é nesses ambientes reservados e discretos que se decidem os grandes projetos, se traçam as linhas estratégicas e se tomam decisões políticas de países emergentes à imitação dos governantes de nações poderosas.

Pedro de Montemor
Anistiado político

terça-feira, 8 de abril de 2008

EMPRÉSTIMO DA PREVIDÊNCIA

Recebi, no dia 9 de novembro, carta datada de 29 de setembro de 2004, assinada pelo Presidente da República, senhor Luiz Inácio Lula da Silva e pelo Ministro de Estado da Previdência Social, senhor Amir Francisco Lando. Comunicaram-me o direito de obter empréstimos bancários. O valor da prestação não poderia exceder de 30% do meu benefício mensal com juros entre 1,75% e 2,9%. “A medida visa atender melhor às necessidades do dia-a-dia. Por meio de ações como esta, finaliza a carta, o Governo quer construir uma Previdência Social mais humana, justa e democrática”. Isto é, endividando o cidadão.
A boa vontade de um governo paternalista, a ingenuidade e a malícia da medida comovem os incautos. Tudo está posto de cabeça para baixo. O bom senso tem alertado insistentemente que o caminho correto de uma economia é a poupança e não o endividamento. E este, quando absolutamente necessário, dever ser submetido aos rigores da capacidade de poupar.
Os assessores e os altos burocratas do Estado se doutoraram na escola dos grandes financiamentos, indiferentes à capacidade de pagamento. Quando não se tem para pagar, desde os tempos de Tutankamon, recorre-se aos impostos sobre tudo: produção, consumo, renda, propriedades, depósitos, saques, empréstimos e dívidas. O projeto de Lei do Governo, aprovado pelo Congresso, revela a falência do poder e a submissão impotente ao sistema que nos aprisiona ao código dos mais fortes, aos donos dos empréstimos. Reservam-se o direito de debitar o valor da parcela garfando a conta o mutuário.
Um aposentado que recebe da Previdência R$ 415,00 não tem o que poupar. Terá direito a uma prestação mínima de R$ 124,50. No próximo mês, terá R$ 289,50 para o dia-a-dia. Suspeito que não comprará feijão e arroz com o empréstimo. Um banco poderá oferecer-lhe três vezes o valor do benefício mensal. Acrescentará a seu patrimônio uma geladeira ou um fogão. Terá menos o que por nela ou o que cozinhar nele. O Governo agiu assim porque sabe que milhões de aposentados se queixam que o dinheiro não chega até o fim do mês.
Imaginemos que as cruciais circunstâncias do cotidiano permaneçam agravadas e que 10 milhões de aposentados recorram a seu direito permitido pela Lei e peçam um suave empréstimo de R$ 250,00. Os bancos jogariam no comércio R$ 2,5 bilhões e embolsariam o correspondente entre 1,75% e 2,9%. Por pudor e respeito aos aposentados, abstenho-me de dar a cifra do lucro dos bancos.
Consolidam-se assim as estruturas de riqueza e de pobreza. Os pobres serão sempre os bois que distraem as piranhas enquanto a boiada gorda chega à outra margem que tanto pode ser a Suíça, as ilhas Caimã ou as mansões dos refinados recantos deste Brasil de amor e de esperança que à terra descem.
Festejamos tola e cinicamente o crescimento para cima, não para baixo. A árvore que expande seus galhos contra o céu confia nas raízes profundas que ninguém vê. E quando as raízes morrem, os ventos devastam a floresta.

COMENTÁRIOS

Informo aos leitores eventuais que, no final do artigo há um espaço para comentários que, opcionalmente, podem ser publicados para conhecimento dos interessados.
O blog pretende ser democrático.

PRIORIDADES INTRIGANTES

A força do crescimento da população urbana e a dificuldade política de governá-la, através de serviços racionais e harmônicos, preparam graves situações de caos nas grandes e médias cidades. A população cresce mais rapidamente do que a capacidade política de administrá-la.
A população é a razão de ser do Estado. Apesar das leis que ordenam todos os comportamentos sociais, políticos e econômicos do país, a população impõe prioridades e exige atividades que satisfaçam suas necessidades.
Organizada ou não, a população, à medida que aumenta, expõe com maior vigor essa exigência de satisfazer necessidades e interesses cada vez mais intensos.
Parte da população busca diretamente meios de que necessita para sobreviver: água, comida, abrigo. Mas, a maioria da população satisfaz suas necessidades básicas através de serviços públicos e privados essenciais e supérfluos.
O superpovoamento urbano é um sintoma de superpopulação. A multiplicação de bairros na periferia das cidades, as invasões de espaços públicos, as filas nos hospitais e postos de saúde, a precariedade do sistema de educação, a ênfase dada aos programas de compensação a milhões de marginalizados do permanente milagre econômico são alguns dos indícios da superpopulação.
Em que áreas a população impõe prioridade nos serviços organizados pelo setor estatal ou pela iniciativa privada?
Em plena epidemia de dengue, com milhares de pessoas afetadas e dezenas de mortes, a saúde pública não atrai investimentos necessários em equipamentos e pessoal especializado que se antecipem ao desastre anunciado.
A prioridade que a população impõe, há alguns anos e o fará mais intensamente nos vindouros, é a chamada “adaptação da cidade ao carro”. Foi-se o tempo em que o sonho era adaptar a cidade ao habitante e torná-la a grande casa, o lar ampliado, a sala de estar dos amigos.
A cidade se tornou um labirinto de ruas, ruelas, avenidas, pontes, viadutos, estacionamentos em volta de todos os prédios, em edifícios e nos subterrâneos, semáforos, controles eletrônicos de velocidade, radares, polícia rodoviária, blitze, milhares de placas de sinalização e advertência. Os investimentos públicos exigidos pelo automóvel sufocam as demais obras eventuais em escolas ou hospitais. O cuidado com os pedestres é incomparavelmente menor do que o ministrado ao carro, além de estar o pedestre em permanente risco de ser atropelado na curta passagem que lhe é oferecida. A casa, o edifício, o bairro são projetados sob a luz da imprescindibilidade do carro. O novo bairro Noroeste de Brasília prevê estacionamentos para 40 mil carros e não uma linha de metrô.
E quando menos se espera, surgem, em previsão de futuras necessidades, um viaduto ou a duplicação de avenidas. O carro se transforma numa usina ambulante de produção de dióxido de carbono, livre e desimpedido das árvores que outrora produziam oxigênio.
O milhão de carros que circulam diariamente pelas avenidas do Distrito Federal estabelece tragicamente a adaptação da cidade ao carro e aprisiona os condutores em engarrafamentos diários imprescindíveis e conseqüentes. O trânsito lento e entupido torna-se parte da normalidade urbana.
O carro constitui um dos sonhos do cidadão que só ao acordar percebe a gravidade do pesadelo.
Há tempo ainda de limitar o número de carros de uma cidade para transformá-la em casa coletiva ou sala de encontro de amigos?
Haverá tempo para um retorno à racionalidade do transporte e da circulação das pessoas antes que o caos imponha sua implacável ditadura?
Como diria J. S. Bach: Basta! Temos carros suficientes!